Regulamentação do comércio eletrônico é insuficiente para coibir abusos, diz advogado

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A regulamentação do Decreto 7.962, que dispõe especificamente sobre novas regras da contratação no comércio eletrônico, é considerada um avanço, porém ainda não o suficiente para assegurar boas práticas no setor. A afirmação é de Marcio Cots, sócio do Cots Advogados, escritório especializado em Direito digital, feita em evento em São Paulo, organizado pela Comissão de Tecnologia da Informação do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (IBEF). Para ele, embora o decreto que entra em vigor no próximo dia 14 seja positivo, ele ainda não é o ideal, pois pode acarretar em novas alterações no futuro.

A partir da entrada em vigor do decreto, a empresa que opera com comércio eletrônico será obrigada a indicar em seu site as informações sobre o endereço físico e outras formas de contato para a sua localização; discriminar, no preço, quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como entrega ou seguros; trazer informações claras e ostensivas sobre o produto ou serviço e quanto a eventuais restrições ao cumprimento da oferta online, entre outras exigências. O decreto também institui o direito ao consumidor de se arrepender da compra.

Para Cots, a ordem correta dos fatores seria a aprovação do marco civil da internet, para depois se pensar na regulamentação do Código de Defesa do Consumidor e, assim, criar regras para o e-commerce. "A lei cria regras, o decreto regulamenta regras. Portanto, as prioridades estão invertidas." O advogado ressalta, ainda, que há inúmeras lacunas a serem preenchidas, como a questão da privacidade dos dados, que está sendo discutida.

Há também a questão do e-mail marketing que, na concepção de Cots, muitas vezes nada mais são que "spams com um nome mais bonito". Um aspecto importante mencionado por ele é que o decreto estabelece que a doação ou venda de lista de e-mails ou mailing list, feita entre empresas sem consentimento dos destinatários, agora é configurada como crime e pode acarretar detenção de seis meses a dois anos — além de multa ao executivo responsável pela empresa. "Isso já mostra grandes mudanças para o comércio eletrônico em si, mas como dispomos de poucas leis que regulamentam a internet no Brasil, ainda há a sensação de impunidade", enfatiza o advogado.

Questões pendentes

O especialista em Direito digital cita outro ponto do decreto, usando como exemplo o direito de arrependimento do consumidor, o qual estabelece que ele pode ter um período para desistir da compra e devolver o produto. Segundo Cots, embora o exercício do direito do arrependimento passa a ser mais simplificado para o comprador, de modo a obrigar ao fornecedor informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes de execução, ainda é preciso resolver questões logísticas e tributárias acerca dessa desistência. "Tributação, aliás, é um livro à parte nessa história", destaca Cots. Ele chama a atenção para o fato de a regulamentação prever que cada fase da transação seja clara para, no caso de queda da rede ou do sistema, o consumidor saber se a compra foi ou não concluída. "O aviso da finalização da transação deve ser claro ao consumidor, ou juridicamente ela não ocorreu."

Outras questões já estabelecidas, como a obrigatoriedade de manter um canal de comunicação com o cliente, ou seja, se a compra foi efetuada por meio digital, o direito a desistência da compra também deverá estar disponível neste canal de comunicação, Cots acredita que o grande teste do decreto será durante as grandes datas para o comércio, como o Natal. "A facilidade da contratação deve ser a mesma da rescisão do contrato. Não se pode contratar um serviço pela internet e ter que ligar para cancelar o mesmo", ressalta ele. O advogado faz questão de deixar claro que o comércio eletrônico não se limita apenas à internet, pois abrange qualquer plataforma eletrônica de transação de compras.

Outra mudança significativa foi a criação de regras específicas para os sites de compras coletivas, que serão obrigados a detalhar a oferta com informações sobre a quantidade mínima de vendas para efetivação do contrato, o prazo para utilização da oferta pelo consumidor e identificação do fornecedor responsável pelo site ou do fornecedor do produto ou serviço objeto da oferta. "Fica clara a responsabilidade da plataforma de e-commerce pelo serviço ou produto anunciado, mesmo que ele seja oferecido por terceiros. No caso de desistência do consumidor, prevista no direito de arrependimento, precisa haver consenso entre o site e o fornecedor para divisão do prejuízo sem prejudicar a compra dos demais clientes, porém, essa questão ainda não é abordada na regulamentação."

Cots também ressaltou o fato de o número de sites de comércio eletrônico na lista de fraudes do Procon ser cada vez maior. Somente este ano, o Procon-SP identificou 71 novos endereços suspeitos por irregularidades. "A regulamentação deu aos Procons a ferramenta para atuar na fiscalização desse site", explicou o advogado, mas ainda é preciso de uma ação efetiva contra essas fraudes.

1 COMENTÁRIO

  1. Boa matéria. Só faltou falar que o Decreto também exige um "Sumário do Contrato" ainda para a fase da pré-contratação, o que, na prática, poderá incentivar os consumidores a deixar de ler os termos do contrato principal (cuja leitura na íntegra nunca deveria ser dispensada).

    Se isso realmente acontecer (o povo deixar de ler o contrato pra ler só o sumário), minha preocupação é que, no futuro, juizes e procons comecem a entender que só vale o sumário e que o contrato principal seria o equivalente às "letras miúdas" (eis que quase nunca lido).

    Gostaria de ouvir os comentários do Dr. Cots sobre isso. Atte.

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