Interdependência: palavra de ordem em outsourcing

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Em seu Best Seller os "Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes", Stephen R. Covey apresenta o conceito de "Contínuo da Maturidade".[1]  De acordo com Covey, para que sejamos eficazes na vida devemos evoluir continuamente no seguinte sentido: da dependência para a independência e, finalmente, para a interdependência.

Começamos a vida absolutamente dependentes de alguém. Para nos mantermos viáveis, precisamos ser sustentados em todos os aspectos: físico, mental, emocional e financeiro.  À medida que o tempo passa, adquirimos, em maior ou menor grau, autonomia em cada um desses pilares de sustentação.  Vamos nos tornando cada vez mais independentes, cada vez mais empoderados, a ponto de nos sentirmos autossuficientes e passarmos a nos centrar apenas em nós mesmos.  Sim, os adolescentes.

Na vida adulta, última fase desse "Contínuo da Maturidade", percebemos "que toda a natureza (incluindo a sociedade) é interdependente (…). Descobrimos que os limites mais nobres de nossa natureza estão entrelaçados em nossos relacionamentos com os outros."[2] No regime de interdependência, compreende-se que o "nós podemos" é mais eficaz do que o "eu posso".

Mas o que interdependência tem a ver com outsourcing e, mais especificamente, com contratos de outsourcing?  Primeiro definamos o que é outsourcing.  Segundo Ira D. Moskatel,[3]"Outsourcing pode ser definido como o relacionamento colaborativo de longo prazo no qual o cliente confia ao provedor de serviços processos ou funções de negócio via contrato de longa duração.".

O advento de operações de outsourcing pelo mundo resulta de uma mudança de paradigma econômico. Nos primórdios da revolução industrial se acreditava no controle vertical do processo produtivo, pelo qual a indústria se incumbia de todas as fases da produção.  A redução paulatina dos custos de transporte, comunicação e transação, tornou viável a apropriação dos benefícios, até então teóricos, da "Lei das Vantagens Comparativas".[4] Isto é, para nos beneficiarmos dos ganhos de produtividade decorrentes da especialização e nos concentrarmos naquilo que fazemos de forma mais eficiente e mais barata, passamos a terceirizar, não só a produção de bens (produtos intermediários), mas também a prestação de serviços. Daí a difusão do outsourcing como prática de negócios.

Sua origem e conceito são importantes para colocar em perspectiva a relevância estratégica do contrato de outsourcing para o cliente.  Este confia ao fornecedor partes de seu processo produtivo.  São parcelas que não se confundem com o core do negócio, é verdade, mas nem por isso deixam de ser críticas para a sua continuidade.

Contratos são instrumentos de alocação de riscos por excelência. Advogados competentes tentam alocar o máximo de risco para a outra parte de forma a diminuir a exposição de seu cliente.  Levada em conta a criticidade da transação de outsourcing, o senso comum aconselharia ao advogado "empurrar" o máximo de riscos para a outra parte. Em outsourcing, porém, essa conduta deve, antes, ser submetida a algumas ponderações.

Diferente de uma transação, digamos, de M&A (buyout puro) onde o comprador assume no fechamento do negócio as obrigações antes vinculadas ao vendedor, em outsourcing a assinatura do contrato não é o fim, mas o começo.  Em outsourcing, não estamos diante de uma operação hit & run. Trata-se de relação de longo prazo. Não é, tampouco, um jogo de soma-zero. O sucesso de uma parte está intimamente ligado ao sucesso da outra. No outsourcing mal sucedido costuma-se dizer que as partes "morrem abraçadas".

Nesse cenário, o relacionamento saudável das partes tende a ser mais importante do que o próprio contrato.  O bom contrato de outsourcing não é aquele que se sustenta em cláusulas de indenização ou saída (muito embora estejam ali presentes).  O contrato de outsourcing equilibrado é aquele que gera incentivos para que as partes cumpram suas obrigações em regime de colaboração. Até mesmo, e principalmente, quando algo dá errado.

Isso não quer dizer que os interesses sejam sempre convergentes ou que o relacionamento das partes seja permeado por sentimento sui generis de fraternidade: it´s still about MONEY, after all.  Por outro lado, o outsourcing de sucesso depende de maturidade. Em última instância, depende que ambas as partes conheçam e apliquem o conceito de interdependência.

Gustavo Artese é Master of Laws (LL.M.) pela Universidade de Chicago e advogado responsável pelas práticas de Propriedade Intelectual e Direito Digital do escritório Vella, Pugliese, Buosi e Guidoni Advogados.


[1] ´Pos. 618 de 6479' na versão para Kindle em inglês.  Maturity Continuum, no original em inglês.

[2] Idem à nota de rodapé no. 1.

[3] Advogado americano, citado em Outsourcing Agreements – A Practical Guide, KIMBALL, George, Oxford.

[4] Teoria formulada por David Ricardo. Vide: http://pt.wikipedia.org/wiki/Vantagem_comparativa. "Em economia, a teoria das vantagens comparativas (ou princípio da vantagens comparativas) explica por que o comércio entre dois países, regiões ou pessoas pode ser benéfico, mesmo quando um deles é mais produtivo na fabricação de todos os bens. O que importa aqui não é o custo absoluto de produção, mas a razão de produtividade que cada país possui. O conceito é muito importante para a teoria do comércio internacional moderno."

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