Especialistas dizem que acesso a mensagens criptografadas é tecnicamente inviável

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Os comentários feitos em um post pelo diretor do FBI, James Comey, nesta terça-feira, 7, dizendo que o país precisa fazer um "debate robusto" sobre o uso de recursos de criptografia em mensagens por empresas de tecnologia, já que, segundo ele, isso pode possibilitar que o Estado Islâmico e outros grupos terroristas recrutem militantes e arquitetem atentados sem que possam ser rastreados, geraram críticas de grupos de defesa da privacidade e dos direitos civis nos Estados Unidos.

A reação mais abalizada, porém, veio de um grupo formado por 13 proeminentes desenvolvedores e especialistas na quebra de códigos de criptografia, cientistas da computação e especialistas em segurança que divulgou um relatório no qual afirmam que não há solução técnica viável que permita que os governos americano e britânico tenham "acesso excepcional" a comunicações criptografadas, sem colocar em perigo dados confidenciais e as infraestruturas críticas em todo o mundo.

O relatório foi divulgado um dia antes de Comey e Sally Quillian Yates, procurador-geral-adjunto do Departamento de Justiça dos EUA, deporem na Comissão de Justiça do Senado, onde devem falar sobre as preocupações que eles e outras agências governamentais têm sobre o fato de as novas tecnologias de criptografia impedi-los de monitorar as comunicações de sequestradores, terroristas e outros criminosos.

Os autores do relatório disseram que tais temores não justificam colocar comunicações digitais do mundo em risco. Dadas às vulnerabilidades inerentes à internet, eles argumentaram, que reduzir a criptografia não é uma boa opção. A entrega aos governos de uma chave para comunicações criptografadas também exigiria um extraordinário grau de confiança. Como as violações das agências governamentais agora se tornaram norma — mais recentemente no Escritório de Gestão de Pessoal dos EUA, no Departamento de Estado e na Casa Branca —, os especialistas em segurança disseram que autoridades não são confiáveis para manter tais chaves a salvo de hackers e criminosos. Eles acrescentaram que, se os EUA e a Grã-Bretanha ordenarem a instalação de backdoors para comunicações, isso vai estimular a China e outros governos a fazerem o mesmo.

"Esse acesso irá abrir portas pelas quais os criminosos e estados-nação mal-intencionados podem atacar a própria aplicação da lei que procura defender os indivíduos", diz o relatório, ao qual o The New York Times teve acesso. "Os custos seriam substanciais, o dano grave para a inovação, e as consequências para o crescimento econômico difícil de prever. Os custos para os países desenvolvidos e para a nossa autoridade moral também seria considerável."

Análise técnica profunda

Embora os apelos do governo para ter acesso excepcional a comunicações criptografadas tenha atraído muitas críticas dos defensores da privacidade e empresas de tecnologia, o relatório é o primeiro a fazer uma análise técnica profunda, por criptógrafos e especialistas em segurança. O grupo — que inclui Whitfield Diffie, pioneiro na criação de chave pública de criptografia, e Ronald L. Rivest, o "R" da desenvolvedora de algoritmos de criptografia RSA, amplamente utilizados — fizeram uma proposta semelhante para o acesso a encriptação em 1997.

Naquela época, o grupo analisou os riscos técnicos e deficiências práticas de uma proposta surgida na administração Clinton, que tinha como base o chip batizado de Clipper, para acessar sistemas criptográficos. A proposta visava exigir que os fabricantes de tecnologia incluíssem um chip pequeno em seus produtos que garantiria o acesso ao governo sempre que quisesse desbloquear uma comunicação. O projeto foi abandonado.

"As medidas relativas às decisões políticas vão moldar o futuro da internet global e queremos garantir que os políticos tenham uma análise tecnologia aprofundada", disse ao jornal americano Daniel J. Weitzner, chefe de pesquisa de políticas de internet e iniciativas de ciberssegurança do Massachusetts Institute of Technology, o renomado MIT, e ex-vice-chefe de tecnologia na Casa Branca, que coordenou o último relatório.

Chave digital para desbloquear comunicações

A encriptação vem ganhando ímpeto e vem sendo muito debatida ao longo dos últimos anos, depois de várias falhas de segurança e das revelações de Edward Snowden, o ex-técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA), sobre o programa de espionagem em massa das comunicações digitais do governo americano. Mas, na Grã-Bretanha, o primeiro-ministro David Cameron ameaçou proibir aplicativos de mensagens criptografadas por completo. Nos EUA, Michael Rogers, o diretor da NSA, propôs que as empresas de tecnologia criassem uma chave digital que permitissem desbloquear as comunicações criptografadas, que ficaria protegida por várias entidades, de modo que nenhuma agência, pessoa ou governo poderia usá-la sozinho.

Os autores do relatório afirmam que tal plano é tecnicamente inviável, já que a abordagem subestima o quanto os riscos são elevados hoje. "A proposta do governo para acesso excepcional está errada em princípio e na prática é inviável", disse Ross Anderson, professor de engenharia de segurança da Universidade de Cambridge e único autor do artigo na Grã-Bretanha. "Essa é a mensagem que vamos ficar martelando ao longo dos próximos meses, à medida que surgem essas propostas nos EUA e na Grã-Bretanha."

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