O que empresas como Buscapé, 99Taxis e Kekanto, criadas no Brasil, têm em comum com ícones americanos da tecnologia como Google e Facebook? Sim, todas elas foram criadas por ex-alunos enquanto ainda estavam cursando a universidade. No caso das brasileiras, coincidência ou não, todas as três saíram da USP. Já o Google teve sua origem em Stanford e o Facebook em Harvard.
A aproximação entre universidades e empresas sempre foi essencial para construção do ecossistema de startups nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Já o Brasil, com um mercado de empresas nascentes de tecnologia e inovação ainda em seus primeiros anos de vida, precisa intensificar o ritmo de parcerias entre os universos acadêmico e corporativo se quiser realmente qualificar seus empreendedores, acelerar a curva de aprendizado, e, assim, construir startups de sucesso que consigam atrair investidores e empresas interessadas em apoiar negócios com potencial de gerar alto retorno financeiro em um ‘exit’ bem sucedido.
Escrevo este primeiro artigo direto do MIT (Massachusetts Institute of Technology), onde irei me dedicar nos próximos meses a um período sabático para realizar meu MBA, respirar inovação, aprender e mergulhar em um ecossistema que sempre teve como principal combustível a integração das universidades com as empresas, especialmente as inseridas no mercado de tecnologia.
Aqui no MIT impera o lema “Mens et Manus” – “Mind and Hand”, um estilo de ensino “hands-on”, pragmático, instigando os alunos a realizar um aprendizado chamado de Action Learning Labs, que prioriza uma educação voltada para colocar em prática o ensino teórico dado em sala de aula em projetos reais, principalmente através de parcerias com empresas, startups, ONGs e outras instituições.
Entre meus primeiros desafios, me voluntariei para ajudar na organização do MIT $100K Entrepreneurship Competition, uma das competições mais tradicionais do MIT realizada há 27 anos e que convida estudantes da instituição a apresentar seus talentos e projetos de novas empresas participando de 3 disputas independentes – pitch, aceleração e lançamento. Para ter uma ideia da sua importância, já foram criadas a partir do concurso 160 empresas, que geraram 4,6 mil empregos e receberam US$ 1,3 bilhão de investimentos de capital de risco.
A competição premia as startups vencedoras com mais de US$ 300 mil e o Grande Prêmio é de US$ 100 mil. Nada mau para quem está apenas começando. Mas tão importante quanto o capital é a mentoria que os estudantes recebem em todas as etapas dos juízes, entre eles venture capitalists, empresários, executivos e advogados. Esta é apenas uma das iniciativas do MIT para fomentar a inovação e o empreendedorismo dentro da universidade. Há muitas outras, como o Sandbox Innovation Fund Program.
E no Brasil? Como as universidades vêm se organizando para que possamos formar uma nova geração de empreendedores? Qual o caminho a seguir se quisermos colocar o País em condições de competitividade na Revolução Digital?
Sem dúvida, assim como no Vale do Silício, as universidades brasileiras precisam investir cada vez mais na integração com empresas inovadoras, que certamente podem se beneficiar, e muito, da descoberta de novos talentos e ideias capazes de transformar seus negócios através de modelos disruptivos, que atendam as novas demandas dos millenials e de consumidores cada vez mais antenados com as novas tecnologias.
Temos assistido algumas louváveis iniciativas, como o Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica, que estimula o desenvolvimento de negócios a partir de patentes de tecnologia da universidade; a Agência USP de Inovação, que promove hackatons para os jovens enfrentarem desafios que irão vivenciar na jornada empreendedora, e a parceria da USP com o programa de aceleração da Startup Farm.
Entre as universidades privadas, merece destaque a faculdade paulista FIAP, que substituiu a monografia dos cursos de graduação e do MBA pelo desenho de um plano de negócio de uma startup, sendo que os melhores são encaminhados para investidores e aceleradoras e são premiados com um curso na Babson College, uma das melhores escolas de empreendedorismo do mundo sediada aqui em Massachusetts.
Vale também mencionar o Desafio Brasil, uma iniciativa do GVcepe – Centro de Estudos de Private Equity da FGV-EAESP, e o trabalho realizado pela Ideation Brasil, que através do programa SINP 2.0 (Sua Ideia na Prática) vem estimulando a integração entre universidades e empresas para dar o primeiro empurrão dos jovens rumo ao empreendedorismo. Recentemente, a Embrapa divulgou a iniciativa Ideas for Milk, uma competição realizada em parceria com onze universidades para estimular startups a criarem soluções tecnológicas para o mercado lácteo.
Nos últimos tempos vem se tornando mais frequente o surgimento no Brasil de empresas de funding e organizações de co-investimento anjo dispostas a apoiar startups que têm alto potencial de crescimento e possam escalar rapidamente, como a Bossa Nova, o Gavea Angels e o Dealmatch.
Há muitas oportunidades de investimento para empreendedores que, apesar do ambiente hostil do Brasil, têm a coragem e determinação para correr atrás do sonho de construir uma empresa exponencial. Andy Bechtolsheim foi o anjo de Lawrence Page e Sergey Brin quando idealizaram o Google. Anibal Messa caiu do céu para ajudar Romero Rodrigues e seus sócios a levantar o Buscapé.
São exemplos de que sempre haverá capital para boas ideias e empreendedores ‘fora da caixa’, mas é fundamental que deixem de vivenciar exclusivamente o ambiente acadêmico para mergulhar no ecossistema empreendedor.
Nesta direção, as universidades brasileiras precisam continuar a exercer e intensificar seu papel de colocar no mercado jovens preparados para competir em pé de igualdade em um mercado cada vez mais global, sem fronteiras, que permite o surgimento de boas ideias e empresas inovadoras de qualquer lugar do planeta.
As empresas, por sua vez, devem seguir exemplos como os da Natura, Telefonica, Itaú, Santander e Google, que através de diferentes iniciativas apoiam o ecossistema de startups no Brasil, mas sempre lembrando que os melhores talentos podem, sim, estar nos bancos das universidades.
O país é gigantesco e não faltam universidades dispostas a engordar o caixa com fábricas de diplomas. Mas é bom lembrar que os canudos terão cada vez menos importância e nem de longe serão garantia de sucesso profissional. Por isso, se quiserem continuar com sua missão educadora, precisarão, mais que nunca, abrir os olhos para o mercado. É isso ou ficar assistindo o Brasil continuar posicionado na lanterninha do ranking de competitividade.
Venâncio Velloso, empreendedor digital, fundador/co-fundador da VTEX, Sapatino, WebPesados e mais recentemente da consultoria de inovação digital DIB (Digital Innovation Builders). Atualmente, está fazendo seu MBA na MIT (Massachusetts Institute of Technology) com foco em digital innovation, analytics e global leadership.