Mais de uma vez ouvi meu avô utilizar o termo "prolegômeno". Para uma criança a palavra chama a atenção por sua fonética singular. Como se não bastasse, o meu interesse era despertado pelos contextos em que meu avô utilizava a palavra. Quando estava para começar uma refeição, se referia à entrada (na verdade, seu primeiro prato) como prolegômeno. Colocado o prato à sua frente, esfregava as mãos e exclamava: "Vamos aos prolegômenos!". Fazia o mesmo antes de iniciar um de seus longos discursos. Claros exemplos de licença poética. O dicionário define o prolegômeno como "um estudo preparatório, uma pressuposição básica ou, simplesmente, coisas que são ditas ou devem ser consideradas antes.".
No processo de negociação de um contrato é comum nos preocuparmos prioritariamente com os temas particulares ao negócio a ser fechado, ou, ainda, com as cláusulas comumente aplicáveis àquela respectiva espécie contratual.
Pensando em contratos de tecnologia, tendemos a nos preocupar, antes e por exemplo, com as implicações trabalhistas nos contratos de BPO, com a efetividade dos SLAs nos contratos de cloud ou com a propriedade intelectual resultante do contrato de desenvolvimento. Como dizem os americanos, "we cut to the chase".
Ao agirmos dessa forma queimamos etapas, o que pode inadvertidamente causar prejuízo a nós mesmos ou àqueles que representamos. Não levamos em consideração, por exemplo, as funções do contrato e a forma como devemos nos comportar em razão destas. De outro lado nos esquecemos, muitas vezes no calor da negociação, que "justiça" – no sentido daquilo que é justo para nós – tende a ser irrelevante para a outra parte. E assim por diante.
O propósito deste artigo, que será dividido em mais de uma parte, é discorrer resumidamente sobre certas regras de conduta e pressupostos que considero úteis na negociação de contratos.
1- Instrumentos de Alocação de Riscos por Excelência
Economistas costumam definir "risco" como o fortuito geralmente aceito na atividade econômica e, como consequência, a fonte do lucro. Nesse sentido, os riscos do negócio devem ser reputados como essenciais ou até mesmo desejáveis. Não é à toa que a análise do binômio risco-retorno constitui elemento básico para a tomada de decisão de qualquer empreendedor.
Contratos alocam riscos entre as partes. Ao definir os direitos e obrigações que cabem a cada parte, contratos distribuem os riscos entre estas. Negociadores (e advogados) competentes são aqueles que conseguem, observado o princípio da boa-fé, transferir o máximo de risco possível à contraparte, minimizando a exposição a risco de sua organização (ou cliente).
O processo de alocação de riscos tem o potencial de gerar impasses. Os bons negociadores sabem que a negociação mais eficaz é aquela na qual a solução para um impasse é baseado, não na vontade impositiva de uma das partes, mas em padrões e critérios objetivos.
Nesse contexto, é útil se atentar para o fato de que há parâmetros objetivos para a alocação de riscos como, por exemplo: (a) a responsabilidade pelo risco deve ser alocada à parte que controla o fator de risco; (b) nas hipóteses em que o risco seja facilmente transferível, é mais eficiente que este seja assumido pela parte capaz de geri-lo com menor custo; e (c) na mesma linha, a parte que, por sua posição, tenda a obter o maior ganho de eficiência na gestão do risco deve assumi-lo. O negociador zeloso tem a obrigação de conhecer esses parâmetros e aplicá-los ao caso concreto. Operá-los de forma ética a seu favor é uma arte.
2 -Boas Cercas Fazem Bons Vizinhos
Contratos são assinados não para garantir vitórias judiciais, nem tampouco, como poderia supor o incauto, para servir de antídoto contra canalhices. Por lei, e conforme sugerido abaixo por Dickens, contratos pressupõem a negociação de boa-fé entre as partes.
"E você terá em breve de lavrar um contrato entre nós, com todas as cláusulas que dão a dois homens de honra ares de dois canalhas que tomam precauções um contra o outro." (Charles Dickens, David Copperfield).
(Esta é a primeira parte do artigo)
Gustavo Artese é Master of Laws (LL.M.) pela Universidade de Chicago e advogado responsável pelas práticas de Propriedade Intelectual e Direito Digital do escritório Vella, Pugliese, Buosi e Guidoni Advogados.