Prolegômenos contratuais

0

Mais de uma vez ouvi meu avô utilizar o termo "prolegômeno". Para uma criança a palavra chama a atenção por sua fonética singular. Como se não bastasse, o meu interesse era despertado pelos contextos em que meu avô utilizava a palavra. Quando estava para começar uma refeição, se referia à entrada (na verdade, seu primeiro prato) como prolegômeno. Colocado o prato à sua frente, esfregava as mãos e exclamava: "Vamos aos prolegômenos!". Fazia o mesmo antes de iniciar um de seus longos discursos.  Claros exemplos de licença poética. O dicionário define o prolegômeno como "um estudo preparatório, uma pressuposição básica ou, simplesmente, coisas que são ditas ou devem ser consideradas antes.".

No processo de negociação de um contrato é comum nos preocuparmos prioritariamente com os temas particulares ao negócio a ser fechado, ou, ainda, com as cláusulas comumente aplicáveis àquela respectiva espécie contratual.

Pensando em contratos de tecnologia, tendemos a nos preocupar, antes e por exemplo, com as implicações trabalhistas nos contratos de BPO, com a efetividade dos SLAs nos contratos de cloud ou com a propriedade intelectual resultante do contrato de desenvolvimento. Como dizem os americanos, "we cut to the chase".

Ao agirmos dessa forma queimamos etapas, o que pode inadvertidamente causar prejuízo a nós mesmos ou àqueles que representamos. Não levamos em consideração, por exemplo, as funções do contrato e a forma como devemos nos comportar em razão destas. De outro lado nos esquecemos, muitas vezes no calor da negociação, que "justiça" – no sentido daquilo que é justo para nós – tende a ser irrelevante para a outra parte. E assim por diante.

O propósito deste artigo, que será dividido em mais de uma parte, é discorrer resumidamente sobre certas regras de conduta e pressupostos que considero úteis na negociação de contratos.

1- Instrumentos de Alocação de Riscos por Excelência

Economistas costumam definir "risco" como o fortuito geralmente aceito na atividade econômica e, como consequência, a fonte do lucro.  Nesse sentido, os riscos do negócio devem ser reputados como essenciais ou até mesmo desejáveis.  Não é à toa que a análise do binômio risco-retorno constitui elemento básico para a tomada de decisão de qualquer empreendedor.

Contratos alocam riscos entre as partes.  Ao definir os direitos e obrigações que cabem a cada parte, contratos distribuem os riscos entre estas.  Negociadores (e advogados) competentes são aqueles que conseguem, observado o princípio da boa-fé, transferir o máximo de risco possível à contraparte, minimizando a exposição a risco de sua organização (ou cliente).

O processo de alocação de riscos tem o potencial de gerar impasses. Os bons negociadores sabem que a negociação mais eficaz é aquela na qual a solução para um impasse é baseado, não na vontade impositiva de uma das partes, mas em padrões e critérios objetivos.

Nesse contexto, é útil se atentar para o fato de que há parâmetros objetivos para a alocação de riscos como, por exemplo: (a) a responsabilidade pelo risco deve ser alocada à parte que controla o fator de risco; (b) nas hipóteses em que o risco seja facilmente transferível, é mais eficiente que este seja assumido pela parte capaz de geri-lo com menor custo; e (c) na mesma linha, a parte que, por sua posição, tenda a obter o maior ganho de eficiência na gestão do risco deve assumi-lo. O negociador zeloso tem a obrigação de conhecer esses parâmetros e aplicá-los ao caso concreto.  Operá-los de forma ética a seu favor é uma arte.

2 -Boas Cercas Fazem Bons Vizinhos

Contratos são assinados não para garantir vitórias judiciais, nem tampouco, como poderia supor o incauto, para servir de antídoto contra canalhices. Por lei, e conforme sugerido abaixo por Dickens, contratos pressupõem a negociação de boa-fé entre as partes.

"E você terá em breve de lavrar um contrato entre nós, com todas as cláusulas que dão a dois homens de honra ares de dois canalhas que tomam precauções um contra o outro." (Charles Dickens, David Copperfield).

(Esta é a primeira parte do artigo)

 Gustavo Artese é Master of Laws (LL.M.) pela Universidade de Chicago e advogado responsável pelas práticas de Propriedade Intelectual e Direito Digital do escritório Vella, Pugliese, Buosi e Guidoni Advogados.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.