Assim como o saneamento básico e a eletricidade moldaram o século XX, a conectividade digital se estabelece firmemente como infraestrutura essencial do século XXI. Enquanto o debate sobre a expansão do 5G no Brasil ganha destaque, um componente crucial desse ecossistema pode passar despercebido: a conectividade indoor.
O paradoxo da invisibilidade eficaz
A infraestrutura de conectividade indoor possui uma característica singular: quando opera com excelência, torna-se praticamente invisível aos usuários. Sua presença só é notada em momentos de falha. Quem nunca experimentou a frustração de estar em um shopping center movimentado ou em um estádio lotado e ser incapaz de enviar uma simples mensagem ou realizar uma chamada?
O que outrora era considerado um luxo, hoje se configura como uma necessidade e um elemento de segurança. O cidadão digital conta e demanda uma conectividade plena para se comunicar, se divertir e interagir inclusive durante eventos e ambientes com grandes aglomerações como estádios, centros comerciais e outros locais indoor.
Da miopia imediatista à visão estratégica de longo prazo
Um dos entraves para a expansão da conectividade indoor no Brasil está na abordagem daqueles que gerenciam grandes instalações (estádios, centros comerciais, túneis e outras infraestruturas). Em geral, é dada uma atenção significativa ao conforto e segurança dos usuários, que vão desde investimentos no entorno com obras de acesso, disponibilização de estacionamento e facilidades de transporte até o cuidado com a segurança, disponibilizando todo o tipo de infraestrutura como climatização, locais para atendimento médico e infraestrutura de segurança física e lógica sofisticada, inclusive em cooperação com as autoridades públicas.
Mas quando se trata de conectividade digital e móvel, os provedores podem esquecer a sua essencialidade e impor dificuldades para a sua implementação, principalmente em decorrência da imposição de condições comerciais extremamente onerosas para as operadoras de redes móveis.Como resultado, a solução financeiramente mais viável é instalar infraestrutura nas áreas ao redor, o que acaba fornecendo apenas conectividade apenas razoável (senão insuficiente) para as pessoas que estão no ambiente indoor.
Essa visão invertida do papel da conectividade pode prejudicar o ator mais importante, que é o usuário. De rigor, os empreendimentos deveriam ser um parceiro e, junto com as operadoras de telefonia móvel, investir na conectividade (e não vê-la como uma potencial fonte de receita adicional). Aliás, em muitos lugares, assegurar a disponibilização de acessos e espaço para a instalação de infraestrutura de comunicações em ambiente indoor é um requisito legal. Nesses locais, naturalmente, o custo para acesso e instalação de infraestrutura de telecomunicações, não é resultado de uma relação comercial, mas sim um requisito técnico de construção.
Na Cidade de Nova York, por exemplo, desde 2015, o Código de Construção exige que todos os novos edifícios altos instalem e mantenham um Sistema de Comunicação Auxiliar de Rádio (ARCS). Da mesma forma, no Estado da Flórida, a lei exige que todos os novos edifícios integrem um Sistema de Antenas Distribuídas para Segurança Pública (DAS).
Mesmo no Brasil, observa-se fenômeno similar na infraestrutura de estrada, passando o regulador a exigir das concessionárias a implantação de cobertura móvel ao longo das rodovias.
Novas fronteiras da conectividade indoor
A demanda por conectividade indoor transcende os tradicionais shopping centers e estádios. Novos ambientes, como túneis, aeroportos e hospitais, surgem como importantes focos de implementação. Adicionalmente, abre-se espaço para redes híbridas (privativas/públicas) em contextos específicos, como concessões de rodovias, operações de mineração, hospitais e áreas rurais com cobertura limitada. Estas redes híbridas garantem um nível mínimo de serviço para as operações críticas privadas, ao mesmo tempo que disponibiliza conectividade para os usuários das redes públicas das operadoras móveis celulares.
A conectividade indoor representa, assim, um alicerce invisível sobre o qual se constrói cada vez mais a experiência digital dos usuários. Embora raramente receba os holofotes, sua ausência ou deficiência é imediatamente notada e cada vez menos tolerada pelos consumidores – sua disponibilização para as operadoras de telefonia móvel não deveria ser pautada por uma relação comercial unilateral.
O usuário precisa ser colocado no centro dessa relação, com operadoras e empreendimentos investindo conjuntamente na infraestrutura para promover a conectividade dos locais com grande concentração de pessoas.
Antonio Maya, CTO da IHS Latam.