Você já deve ter ouvido falar do Bitcoin e de quanta gente tem ganhado dinheiro com isso, mas eu preciso lhe contar sobre o lado oculto da história — do qual a maioria das pessoas não quer nem ouvir falar.
Há muito tempo, a Internet era um território sem lei e ainda em 1994, quando comecei a usá-la, era possível encontrar praticamente qualquer coisa à venda na rede. Com a popularização da tecnologia e a universalização do acesso, vieram as leis e o estado com suas regras. Para que a liberdade fosse restabelecida sem as amarras do mundo real, os verdadeiros “donos” criaram uma nova rede: a Deep Web, acessível apenas por meio de um navegador específico. Nela, os hackers e as pessoas que queriam negociar coisas ilegais podiam fazê-lo novamente, sem a mão pesada da sociedade. Só faltava uma coisa: o dinheiro. Como operar as transações sem deixar rastros na superfície?
Foi aí que quatro piratas digitais usando um pseudônimo, tiveram uma idéia: criar um problema matemático em que cada solução levaria o dobro do tempo da anterior para ser encontrada. Além disso, desenvolveram um jogo em que a primeira pessoa que descobre a resposta tem o direito de anotá-la em um arquivo, com seu número único, e pode transferi-la para outra pessoa, via internet. Simples? Pois isso é o Bitcoin.
Por muitos anos, cada “solução” para o problema não valeu mais do que alguns centavos, mas serviu para resolver o maior problema da Deep Web e permitiu que bens e serviços ilegais pudessem ser livremente transacionados, como acontecia no início da Internet. O que muita gente percebeu foi que isso tinha um potencial muito maior; essa ideia de compartilhar um problema e um arquivo com as regras e respostas sobre ele, seguida da validação dos dados e da disseminação pela rede poderia mudar a forma como a humanidade lida com a informação.
Lembra do episódio em que uma modelo, depois de ter sido gravada fazendo sexo na praia, exigiu que os vídeos fossem retirados da rede e conseguiu graças à ação da Justiça? No caso dos Bitcoins, cumprir essa decisão seria impossível. Não há quem processar ou mandar prender, porque a informação está desmembrada e integrada ao mesmo tempo. Cada parte pode, de forma independente, remontá-la. Isso pode salvar a humanidade do seu maior problema: o poder e o controle do estado sobre a transferência de valores.
Imagine a situação hipotética de todo mundo adotar o Bitcoin: será impossível que os órgãos de controle e regulação imponham a cobrança de impostos; um juiz não terá absolutamente nenhum poder para retirar qualquer centavo de ninguém, nem poderá exigir a identidade de uma determinada conta — que é anônima mas absolutamente rastreável, para garantir que não ocorra o roubo das moedas. Nossa sociedade caminha para um ambiente anárquico sem precedentes na história recente, talvez mais justo do que nunca, onde o mérito e o conhecimento superarão o poder, os interesses individuais e a caneta.
Não acredito na intenção do Bitcoin, e por isso aposto em tecnologias criadas para o bem como o Ethereum — países com ideias progressistas, como o Canadá, cogitam usá-lo para anotar toda a sua constituição e eventualmente tornar obsoleta a profissão mais conflitante da nossa sociedade: os políticos. Mas se você pretende mesmo investir em Bitcoin, esteja preparado para, de uma hora para outra, vê-lo valer nada. O valor de mercado dele será ditado por uma das leis mais antigas do mundo — a da oferta e procura —, com possibilidade de ganhos excelentes para quem não tem pressa. Enquanto isso, aguardemos os feitos dos piratas do passado ajudarem a melhorar nosso futuro.
Piero Contezini, empreendedor, cofundador e CEO da Asaas.