O vice-presidente do Google, Vint Cerf, considerado um dos pioneiros da internet, afirmou que forças políticas e tecnológicas ameaçam o acesso universal e integridade da rede mundial, que ele descreve como os valores fundamentais da web.
O executivo, que também é evangelista chefe do Google, avalia que a fragmentação nos moldes propostos pelo Parlamento Europeu, que sugeriu a divisão do site de buscas em dois pedaços — um com o buscador e outro com todos os demais produtos (Gmail, Mapas, YouTube, Android, etc.) — é destrutivo para o funcionamento básico da internet.
“Fragmentação seria um resultado terrível [e]… destruiria valor. Temos de trabalhar para garantir que não haja nenhuma fragmentação”, disse Cerf durante uma conferência sobre governança da internet e ciberssegurança, na quinta-feira, 14, promovida pela Escola de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Columbia e da Comissão Global sobre a Governança da Internet (gCig).
Em novembro do ano passado, o Parlamento Europeu aprovou uma moção pedindo que o Google seja transformado em duas empresas, sendo que uma das metades teria de ser vendida. A ideia é evitar que a empresa use sua força no mercado de buscas, no qual tem participação de mais de 90% em alguns países europeus, como instrumento para favorecer os outros negócios — e vice-versa. A proposta é similar à feita pelo governo dos EUA, que em 2001 tentou dividir a Microsoft em vários pedações.
A Comissão Europeia quer que sejam impostos limites às buscas. Na Alemanha e em outros países do bloco tem havido um movimento no sentido de que os dados dos cidadãos europeus sejam armazenados localmente e seja criado um serviço de e-mail nacional.
“Há uma tensão ali. Este debate provavelmente vai continuar por um tempo”, disse Cerf em uma entrevista ao The Wall Street Journal após o painel. “Nós estamos vendo uma reação, naturalmente, em razão dos documentos vazados que revelaram o esquema de espionagem da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), tanto na Europa como em outras partes do mundo”, disse ele, um dos criadores do protocolo de internet TCP/IP na década de 1970. Cerf também ajudou a lançar a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann, na sigla em inglês), órgão que supervisiona os endereços da internet em todo o mundo.
Europa e EUA mais juntos?
Há sinais de que essas reações atingiram o pico, disse ele. “Esse problema está começando a se dissipar, assumindo que o Congresso dos EUA tem feito o que parece estar fazendo, que é conter um certo zelo na coleta de dados, para não dizer nada do que o setor privado está fazendo, usando bem a criptografia. Isso provavelmente vai colocar a Europa e os EUA um pouco mais juntos”, disse Cerf.
“Fomos forçados a implementar o Google em diferentes domínios de alto nível, como FR e DE. Há motivações para o que têm a ver com localização, com usuários na Alemanha, o que é absolutamente útil lá”, disse Cerf. “Mas você precisa produzir respostas [buscas] que são igualmente válidas, não importa onde você faça a busca. E isso é difícil. Realmente existem regras locais que nós temos que seguir como empresa.”
Visões conflituosas
Quando perguntado se a liberdade na internet estava em risco, Cerf respondeu: “É claro que está em risco”. “Nós vemos países que vêem a liberdade na internet e sua abertura como uma ameaça, e eles vão deliberadamente fazer o que puderem para inibir o seu uso. No entanto, meu senso, para ser honesto, é que no longo prazo a utilidade e o valor da internet vão ofuscar esse medo. Veja o que os chineses têm feito. Eles colocaram 650 milhões de pessoas online.”
Projeções indicam que o número de usuários de internet em todo o mundo deverá saltar de 3 bilhões de pessoas para 5 bilhões, com muitos novos usuários provenientes de países em desenvolvimento. Como esses novos usuários ficam online, a governança é obrigada a evoluir, observam analistas ouvidos pelo jornal americano. “Não haverá um sistema de governança da internet, mas um ecossistema”, disse Laura DeNardis, diretora de pesquisa da gCig e professora da Universidade Americana.
“Nós temos problema para sincronizar a lei de privacidade Europeia com o que temos nos EUA”, disse Lawrence Strickling, secretário-assistente do Departamento de Comércio. “Temos os mesmos objetivos em mente, a proteção da privacidade do consumidor. Dois regimes. Ambos têm mérito, ambos têm direito a servir os seus países… No entanto, se quisermos ter um livre fluxo de informações em toda a rede, temos de resolver o problema de múltiplas partes interessadas.”
“Não é evidente que a abertura e a concorrência, que são valores basilares da governança nos EUA, devam ter tanto peso em países em desenvolvimento, onde as pessoas ainda estão lutando para estar online”, ressalta Christopher Yoo, professor da Universidade de Direito Pennsylvania. “Nesses mercados, um dispositivo que permita o acesso limitado à internet, de baixo custo, subsidiado por uma empresa privada, pode ser um passo na direção certa, e melhor do que nada. Em outros, devem ser adotadas medidas diferentes”, disse Yoo.