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Em meio a consultas, regulamentação da neutralidade ainda carece de definições

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Ainda em consulta pública na Anatel, a regulamentação das exceções técnicas do Marco Civil continua mostrando que a neutralidade de rede necessita de um debate que vai além da semântica, propondo uma ampla visão que possa garantir que o conceito sobreviva a interesses puramente econômicos. Durante o Seminário Marco Civil da Internet: Neutralidade e Proteção de Dados Pessoais, promovido pela associação de defesa do consumidor Proteste e que aconteceu nesta terça-feira, 17, em São Paulo, representantes do governo e especialistas mostraram que não há consenso, tampouco um caminho ideal para se falar em exceções ao tratamento dado a pacotes na Internet.

“A própria definição de neutralidade é um processo em disputa, mas considero que o Marco Civil faz certo, com a palavra-chave em isonomia”, afirma a diretora do Departamento de Serviços e de Universalização de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Miriam Wimmer. Ela alega que o conceito deve ser entendido no contexto de um complexo conjunto de relações comerciais, que englobam uma topologia híbrida na arquitetura da Internet no Brasil hoje: enquanto as grandes operadoras se valem de conteúdos em cache nas redes de distribuição de conteúdo (CDNs), há pequenos provedores (ISPs) que precisam buscar tráfego em redes Tier 1 internacionais, degradando sensivelmente a experiência do usuário final.

Miriam ressalta que, até por ainda estar em consulta pública, o Minicom ainda não conta com um posicionamento a respeito das propostas, mas, na opinião pessoal dela, defende as diferentes formas de gerenciamento de rede de acordo com aplicações. “O best-effort não atende sempre, tem de considerar como tratar o conceito de isonomia, que é entre tipos de aplicações: ou seja, não pode priorizar o Skype por outros serviços de VoIP, mas pode Skype em cima do e-mail”, exemplifica. Ela elogia ainda a Federal Communications Commission (FCC), nos Estados Unidos, que abordou o tema de maneira principiológica.

Para o vice-presidente sênior da organização civil norte-americana Publick Knowledge, Harold Feld, o importante é que as regras não permitam a má fé por parte das empresas. Ele cita o caso de 2008 nos Estados Unidos, quando a operadora Comcast negou que houvesse bloqueio em aplicativos peer-to-peer (p2p), como o bit torrent. “Se você reclamasse, diziam que não bloqueavam, e isso era mentira. Demorou quase um ano para a FCC impedir isso, e então a Justiça disse que a Comissão não tinha autoridade. Ou seja: não precisou de muito para os ISPs começassem a bloquear tráfego”, declarou.

Na visão dele, é importante que as regras de neutralidade propostas pela FCC sejam aplicadas, já que colocam nas mãos de um regulador essa relação com o consumidor que acabava em práticas abusivas das empresas. Feld lembra que a Internet nos EUA já havia passado por uma abordagem de regulação leve em 2004. “Por que jogamos fora o framework de dez anos? Porque o que fizemos não funcionou, falhou em todos os níveis, falhou em produzir competição. Tínhamos 3 mil ISPs e agora temos dois no mercado (em determinados locais, considerando velocidades acima de 20 Mbps), se tiver sorte. Talvez seja melhor no mercado móvel, mas ele não é um substituto para a banda fixa”.

Ele critica ainda o argumento de provedores, como a AT&T e a associação de cabo dos EUA, a NCTA, que afirmam que a neutralidade de rede impediria investimentos para ampliar infraestrutura e diminuiriam margens de receita. “Isso é simplesmente uma mentira, nunca houve isso antes. Nunca vou entender porque as pessoas acreditam (nas operadoras), mas entendo porque elas dizem. E garanto: a neutralidade de rede não tem nada a ver com investimento em infraestrutura”, esbraveja.

Abordagem para o móvel

A concepção geral da mesa é de que a prática de Internet com franquia limitada é uma questão de modelo de negócio, e não de neutralidade. É o que entende também o diretor do instituto de pesquisas econômicas e regulatórias Wik, J. Scott Marcus. “A questão é que os preços aqui são muito altos e as franquias baixas demais. Não é neutralidade, é na estrutura competitiva do mercado”, declara. Apesar de falar isso, há uma área cinzenta: Marcus, que atuou em Bruxelas durante o debate da União Europeia sobre neutralidade de rede em 2013, garante que a definição do conceito no continente é muito mais uma questão de poder de mercado, baseando-se no pressuposto de que a rede é neutra desde que o consumidor tenha a opção de escolher por outro player e serviço. “O conceito de regulação nos EUA é sem bloqueio, sem estrangulamento e sem priorização, mas, como economista, tenho desconforto neste último. Penso que arranjos livres deveriam aumentar a inclusão social, e não se afastar disso”, disse.

O conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Demi Getschko, explica que a abordagem do Marco Civil para a neutralidade não foi a de modelo de negócios. “A Internet não é uniforme, os pontos finais da rede podem introduzir deformações e filtragens. Não existe um nirvana da Internet neutra geral”, declarou. Por isso mesmo, ele defende que a abordagem da FCC de pedir neutralidade também na banda larga móvel trará desafios. “É diferente discutir neutralidade no telefone inteligente porque este usa a Internet sobre a ‘estrutura telefônica celular'”, diz. Ou seja: as características estatísticas de conexão de um smartphone com uma estação radiobase (ERB) estão no nível acima da conexão à Internet propriamente dita, o que traria desafios na hora de se oferecer isonomia no tratamento de tráfego.

Getschko afirma ainda que, por uma razão econômica e histórica, não vê operadoras adotando a prática de franquia ilimitada – ou ao menos mais generosa – para a Internet móvel como fazem na fixa. “Todo mundo pretende continuar no modelo mais confortável e rentável. O modelo antigo tem excelentes ferramentas para fazer billing, ao contrário da Internet (na camada de conteúdo). Então, é razoável que o mundo que tem o DNA da telefonia faça isso”, conta.

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