Se você ainda não ouviu falar da Worldcoin — hoje rebatizada como World —, é apenas uma questão de tempo. Trata-se de uma iniciativa ambiciosa que une blockchain, identidade digital global e biometria. A proposta parece saída de um roteiro de ficção científica: uma moeda digital universal disponível a qualquer pessoa, associada a uma prova única de humanidade baseada no escaneamento da íris.
O impacto potencial é enorme. Ao criar um sistema de identificação único e descentralizado, a World abre caminho para inclusão financeira em escala global, modelos de governança digital e segurança contra fraudes. Em um mundo inundado por bots e deepfakes, a "prova de humanidade" pode ser o diferencial necessário para restabelecer a confiança nas interações digitais.
Mas o equilíbrio entre inovação e privacidade é delicado — e esse debate chegou ao Brasil. Em janeiro de 2025, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) suspendeu as atividades da World por aqui, proibindo a coleta de íris em troca de recompensas financeiras. A decisão apontou possível violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), especialmente no que diz respeito ao consentimento livre e informado.
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Apesar da suspensão local, a iniciativa segue avançando em outros países. A OpenAI, por meio da Tools for Humanity, começou a distribuir seu novo dispositivo, o Orb, nos Estados Unidos. Com ele, os usuários recebem cerca de US$?42 em criptomoeda, ao escanear sua íris, criando uma identidade digital chamada World ID. O sistema promete anonimato por meio de criptografia avançada e a exclusão da imagem original, após gerar um código biométrico. Ainda assim, o modelo continua provocando reações intensas, sobretudo pelo risco de centralização e pela dificuldade de garantir transparência total em escala global.
Vale lembrar que a World não é a única tentando resolver o problema da prova de humanidade. Várias outras iniciativas estão em curso, mesmo que com abordagens bem distintas:
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Proof of Humanity (PoH): Possui modelo baseado na comunidade: utiliza vídeos validados por outros usuários para provar que você é uma pessoa real. Sem biometria, baseia-se em reputação e arbitragem descentralizada.
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BrightID: autenticação por meio de contatos verificados, sem dados sensíveis. Preserva o anonimato, pois opera sem coleta de documentos ou imagens biométricas.
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Idena: Opera com prova sincronizada de unicidade ao exigir que os usuários resolvam testes visuais (CAPTCHAs) em horários específicos. Não coleta biometria ou identificação pessoal, tem como objetivo garantir que cada identidade seja única e usa gamificação para incentivar a participação por meio de recompensas em tokens.
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Civic: Identidade digital para compliance e login seguro. Utiliza blockchain para armazenar credenciais verificadas, como idade ou cidadania, sem expor os dados completos ao público. Forte aplicação em ambientes regulados, como fintechs e sistemas de verificação de identidade KYC.
A existência dessas alternativas mostra que há mais de um caminho possível para lidar com os desafios da era digital. Enquanto a World aposta na biometria como chave da autenticidade, outras propõem abordagens comunitárias, sociais ou baseadas em lógica matemática. Cada uma carrega suas próprias vantagens e riscos.
A questão aqui é que inovação não é apenas técnica, mas ética. Estamos diante de uma encruzilhada em que o avanço tecnológico precisa ser acompanhado por novas estruturas de confiança, transparência e governança global. E isso exige não apenas boas intenções, mas diálogo aberto, regulação responsável e participação coletiva.
No final das contas, talvez o debate mais urgente não seja sobre a tecnologia em si, mas sobre quem define as regras do jogo e a que custo. Se a identidade é o petróleo dos nossos tempos, precisamos decidir agora se ela será um ativo em mãos concentradas ou um direito fundamental protegido por todos.
A cada dia que passa, o conceito de privacidade ganha novos contornos. Mas não sei se já chegou a hora de usarmos nossa íris como prova de vida. Você usaria a sua?
Fabrício Oliveira, CEO da Vockan.
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