Pokémício, Pokémarketing e Pokécausos: quando o mundo virtual traz responsabilidades no mundo real

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No último final de semana fui surpreendido pelos meus filhos insistindo que eu instalasse no meu celular o tal do Pokémon Go. Embora eu seja um apaixonado pela tecnologia, no início achei que era coisa de criança e não cedi. Mas a tecnologia é mesmo disruptiva e, em menos de uma semana do lançamento do jogo no Brasil, começamos a receber as primeiras consultas jurídicas sobre reflexos do uso do jogo. Foi quando percebi que a questão tinha uma outra dimensão.

[Para quem não sabe como a febre funciona: O mundo dos Pokémons (que ganhou fama em games e desenhos na década de 1990) entrou nos smartphones usando a realidade aumentada. O jogador captura os monstrinhos e disputa batalhas com pessoas da vida real. Tudo isso graças ao GPS e à câmera do celular, que transformam espaços públicos em um terreno de caça enorme aos Pokémons. Pessoas se aglomeram em torno de pontos batizados de Ginásios e PokéStops para travar batalhas e coletar itens úteis para o jogo.]

Mas quem deve se preocupar com isso?

As repercussões podem ser variadas e ainda não conseguimos abranger todas elas. A consagrada criatividade humana tem apresentado diariamente novos usos para o jogo e com os mais variados fins. Socialização, ajuda em sala de aula, chamariz publicitário e, é claro, golpes, são só o começo Mas explico abaixo algumas polêmicas que já estão aterrissando no mundo real:

Jogatina no trabalho

Já recebemos contatos de empresas que estão preparando regulamentos e comunicados internos informando quando e como o jogo pode ser utilizado. É meio óbvio, mas nem sempre as pessoas lembram que o ambiente profissional exige comprometimento com eficiência e segurança. O uso do jogo durante o expediente pode justificar punições ao empregado, assim como já deve acontecer com o uso inadequado do Whatsapp ou de qualquer ferramenta.

Acidentes e invasões de propriedade

Já existem relatos de acidentes com jogadores que, concentrados na busca pelos Pokémons, saíram andando sem cuidado e caíram em penhascos, rios ou foram atropelados. Ainda que o jogador tenha seu livre arbítrio em jogar ou não em lugares de risco – sem contar os insistentes avisos durante a inicialização do aplicativo -, as questões sobre os critérios de segurança já estão surgindo. Em caso de discussão judicial, a Justiça vai entender que o jogador é o único responsável por tais acidentes?
E, voltando para o ambiente corporativo, as empresas devem se preparar para lidar com o acesso a áreas restritas, perigosas ou sensíveis. Já imaginou um bando de "caçadores" perambulando no meio de fornos e caldeiras? Ou ainda no meio da Diretoria ou do Financeiro em busca dos Pokémons?

Compre um café e ganhe um Charizard

A caçada aos Pokémons e aos itens do jogo levam multidões a lugares públicos. E se as empresas pudessem pagar pelo direito de ter os monstrinhos em suas propriedades? O grande desafio de atrair clientela pode ser superado com a promessa de um Pokémon raro perambulando entre as mesas de um café, por exemplo.

Ele captura mas faz

E se em vez de cliente alguém quiser atrair um eleitor? A legislação eleitoral proíbe os showmícios, mas e se alguém criar Pokémícios? Uma bela coleção de Pokémons e de Pokéballs seriam alocados em determinado local para atrair o fluxo de eleitores, que acabariam ouvindo um candidato. E vamos comemorar que é proibida a distribuição de brindes, ou a nova tendência seria a troca de votos por Pokéballs. Mas, absurdos à parte, como a legislação eleitoral vai a partir de agora contemplar essa possibilidade disruptiva da tecnologia? E o Judiciário? Ele tem capacidade técnica de analisar essas questões?

Não perturbe

Quem não entrou na onda do jogo pode se incomodar em morar perto de um Ginásio ou de um Pokéstop. Você gostaria de ter a frente de sua casa dominada por uma legião de "caçadores"? Quem é o responsável pelo distúrbio de sua paz nesses casos? As pessoas que nem sempre têm bom senso ou a empresa que fez os jogadores se agruparem justamente embaixo daquela janela?

Equipe Rocket da vida real

Os criminosos também são antenados e começam a surgir relatos de que Pokémons, Ginásios e Pokéstops estão sendo utilizados como armadilhas virtuais para roubar os "caçadores". O criminoso utiliza recursos do jogo para atrair usuários a locais ermos, espera um momento de distração e captura mais uma vítima!

As questões jurídicas estão apenas começando. O jogo pode render uma série de atrativos interessantes, como estratégias de marketing para atração de clientes e o apelo para a prática de atividades físicas, pois os caçadores precisam andar pela cidade em busca dos seus monstrinhos virtuais. Mas os reflexos jurídicos são bem mais amplos e estamos apenas iniciando a era da realidade virtual interagindo com a realidade física.

Esse é mais um exemplo de como o Direito deve ficar de olho na inovação, para garantir que tudo – da diversão à geração de negócios – corra de forma segura para os envolvidos. Alguns monstros são, infelizmente, maiores que um bolso.

Helio Ferreira Moraes, sócio do PK Advogados.

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