Governo Digital pode contrariar 'legítimo interesse' da sociedade e travar inovações jurídicas

0

Apesar de trazer muitos avanços, o  Projeto de Lei 317/2021, conhecido como PL do Governo Digital, apresenta um aparente paradoxo com potencial de criar obstáculos para o desenvolvimento do ecossistema nacional de Lawtechs e Legaltechs. A proposta, recém aprovada pelo Senado e que aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro, oferece uma brecha para que órgãos e entidades públicas possam cobrar pelo uso de dados. Se  entrar em vigor da forma como está configurado, além de aumentar significativamente os custos e a burocracia para o trabalho das startups que vêm revolucionando os serviços jurídicos do país com seus processos inovadores, a medida representa um contra senso em relação ao que estabelece a própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Ora, se a LGPD  abre exceção para  que essas  Lawtechs e Legaltechs tenham acesso aos dados de pessoas e empresas sem o consentimento dos titulares com base no conceito do 'legítimo interesse', como entender que justamente os dados produzidos por instituições públicas, a quem se atribui o mais alto grau de legítimo interesse da sociedade, possam colocar restrições e cobrar valores financeiros restringindo a transparência?

A preocupação com o assunto já levou inclusive a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) e o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) a se manifestarem contrários a esta medida. Eles afirmam que a descrição das situações nas quais a cobrança será admitida se enquadra justamente sobre o tipo de uso que as startups fazem dos dados.

O texto diz que prestadores de serviços, órgãos e entidades públicos poderão cobrar um valor de utilização, no caso de acesso tipicamente corporativo ou institucional, contínuo e com excessiva quantidade de usuários e de requisições simultâneas, com grande volume de dados e com processamento em larga escala.

É importante lembrar que quando uma Lawtechs ou  Legaltechs utiliza esses dados, geralmente elas o fazem no sentido de aprimorar a segurança referente ,por exemplo, a acesso a locais restritos;  efetivação ou confirmação de transações bancárias e  combate a fraudes em processos de identificação, só para citar alguns casos.

Para fazer este trabalho, é necessário processar milhares de dados com métodos estatísticos de cruzamentos e checagem dupla realizados por plataformas de inteligência artificial. Qualquer valor cobrado pelo acesso aos dados, por mínimo que sejam, acabam se transformando  em somas suficientemente capazes de inviabilizar o trabalho destas empresas e consequentemente o surgimento de novas soluções que tornem nosso sistema jurídico mais ágil e preciso.

Em uma de suas manifestações sobre o assunto, o diretor executivo da AB2L,  Daniel Marques afirmou que dados abertos promovem a transparência, o compliance e a segurança jurídica. Além disso, esse tipo de cobrança contraria recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a própria Constituição.

Cabe aos órgãos públicos auxiliar os processos que aprofundem a transparência nas relações da sociedade, e por outro lado, as autoridades reguladoras devem exigir e fiscalizar para que as empresas  que tratam esses dados o façam de forma a evitar acessos indevidos ou vazamentos que acarretariam prejuízos a todos os envolvidos.

Essas são as regras do jogo que é jogado em todos os mercados mais desenvolvidos em relação a este assunto. Se queremos alcançar este patamar, é assim que precisamos agir.

Alexandre Pegoraro, CEO da Kronoos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.