Resiliência e inovação: Preparação para crises econômicas

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Nos últimos anos, as economias globais têm enfrentado desafios significativos, desde crises econômicas até mudanças abruptas nos mercados. Nesse cenário, a capacidade das empresas de não apenas sobreviver, mas prosperar, depende diretamente de sua resiliência e capacidade de adaptação. A inovação pode desempenhar um papel fundamental nesse processo, funcionando como uma estratégia poderosa para enfrentar incertezas e transformar adversidades em oportunidades. A análise dessa dinâmica é ainda mais relevante em contextos como o do Brasil e da América Latina, onde as oscilações econômicas são intensas e as empresas frequentemente operam em ambientes de alta volatilidade.

Em minha recente tese de doutorado, exploramos como startups, muitas vezes vistas como as empresas mais ágeis e inovadoras do mercado, adaptam seus modelos de negócio em resposta a cenários de incerteza. Tais práticas podem oferecer insights valiosos para organizações maiores, que precisam se reinventar em momentos de crise. A capacidade de gerenciar riscos, inovar rapidamente e criar modelos de negócios resilientes é essencial para sobreviver a cenários adversos. Esse aprendizado das startups pode ser traduzido para empresas de todos os portes.

Um dos aspectos centrais da resiliência corporativa é a capacidade de adotar uma abordagem ágil e inovadora frente a crises. Isso vai além de reagir às mudanças; trata-se de prever e se preparar para elas. Um exemplo notável no Brasil foi o caso do Magazine Luiza, que durante a recessão de 2015 a 2016 transformou digitalmente sua operação, consolidando-se como uma das principais varejistas do país. A empresa investiu em tecnologia, criou um marketplace robusto e integrou soluções inovadoras para melhorar a experiência do cliente. Essa estratégia não apenas a ajudou a atravessar a crise, mas a posicionou como líder no mercado nos anos seguintes.

A Teoria da Perspectiva, desenvolvida por Daniel Kahneman e Amos Tversky, oferece uma lente interessante para entender como empresas tomam decisões sob incerteza. De acordo com a teoria, as decisões humanas tendem a ser influenciadas pelo contexto de ganhos ou perdas percebidos. Em momentos de crise, as empresas frequentemente se tornam mais avessas ao risco, buscando preservar recursos e evitar prejuízos. No entanto, paradoxalmente, muitas vezes é justamente nesses momentos que maior apetite por inovação e risco calculado são necessários para encontrar novos caminhos e mercados. A teoria ajuda a explicar por que algumas empresas congelam investimentos em inovação durante crises, enquanto outras assumem riscos e emergem mais fortes. A chave está em encontrar um equilíbrio entre a prudência e a ousadia, usando a inovação como bússola.

Um exemplo emblemático da América Latina é o do Nubank, que surgiu como uma fintech desafiadora durante um período de baixa confiança no setor bancário tradicional. Sua proposta de valor foi radical: eliminar burocracias, oferecer produtos financeiros simplificados e priorizar a experiência do cliente. Mesmo enfrentando um cenário macroeconômico desafiador, o Nubank apostou em tecnologias disruptivas e em um modelo de negócio que gerava impacto direto na vida de seus clientes. Essa coragem de assumir riscos, baseada em uma leitura clara das necessidades do mercado e em inovação tecnológica, permitiu à empresa não apenas sobreviver, mas prosperar em um ambiente de incerteza.

Outra dimensão importante da inovação como estratégia de resiliência é o fortalecimento das redes de colaboração e parcerias. Durante períodos de crise, empresas que trabalham de forma isolada tendem a enfrentar maiores dificuldades para se adaptar. Já aquelas que investem em ecossistemas de inovação – como startups, universidades e outros parceiros estratégicos – conseguem acessar novas ideias, tecnologias e mercados de maneira mais ágil. No Brasil, um exemplo relevante é o da Embraer, que utiliza programas de inovação aberta para cocriar soluções com startups e universidades, mantendo sua posição de destaque global mesmo em períodos de crise no setor de aviação.

Em tempos econômicos incertos, é crucial que as empresas reconheçam que a inovação não precisa ser sinônimo de grandes investimentos. Muitas vezes, pequenos ajustes em processos, produtos ou modelos de negócio podem gerar impactos significativos. Isso ficou evidente durante a pandemia de COVID-19, quando empresas de diferentes setores adaptaram rapidamente suas operações para atender às novas demandas do mercado. No setor alimentício, por exemplo, restaurantes que implementaram sistemas de entrega e menus digitais rapidamente se tornaram mais resilientes do que aqueles que demoraram a reagir. A pandemia reforçou o papel da inovação incremental como ferramenta acessível e eficaz para superar desafios.

Além disso, a cultura organizacional desempenha um papel central na construção da resiliência. Empresas que incentivam uma mentalidade inovadora entre seus colaboradores têm maior capacidade de responder rapidamente a crises. A mentalidade de "experimentar e aprender", tão característica das startups, é uma lição que grandes organizações podem adotar. Isso significa encorajar testes, aceitar erros como parte do processo de aprendizado e valorizar a colaboração multidisciplinar.

A preparação para crises econômicas também envolve olhar para tendências futuras e antecipar mudanças no mercado. Tecnologias emergentes, como inteligência artificial e blockchain, por exemplo, oferecem novas possibilidades para empresas reconfigurarem seus modelos de negócio e aumentarem sua eficiência operacional. Empresas que investem em explorar essas tecnologias, mesmo durante períodos de incerteza, estão melhor posicionadas para capturar valor em longo prazo.

Por fim, a resiliência construída por meio da inovação não é apenas sobre sobrevivência. É sobre a capacidade de emergir mais forte e preparado para novos desafios. Essa ideia foi capturada por um dos principais aprendizados da minha pesquisa acadêmica: empresas que abraçam a inovação como estratégia central conseguem navegar em períodos de incertezas com mais confiança, além de conseguirem prosperar mais do que suas pares menos inovadoras nestes momentos, uma vez que estão melhor adaptadas e preparadas para as possíveis mudanças do mercado. Além disso, o investimento em inovação fortalece não apenas a competitividade da empresa, mas também sua contribuição para o desenvolvimento econômico e social, criando um ciclo virtuoso.

O caminho para a resiliência por meio da inovação exige liderança visionária, disposição para assumir riscos calculados e um compromisso com a colaboração e a experimentação. As crises econômicas são inevitáveis, mas as empresas que veem nesses momentos oportunidades para transformar e se reinventar são as que prosperam no longo prazo. Assim, como vimos em casos reais no Brasil e na América Latina, a inovação não é apenas uma ferramenta de sobrevivência, mas um alicerce para o crescimento sustentável e o impacto positivo. Não espere que um fator externo obrigue sua empresa a se transformar, torne a inovação uma constante na estratégia da sua empresa e você estará melhor preparado para enfrentar cenários atuais e futuros de incerteza.

Thiago Iglesias, Head do Torq, hub de inovação da Evertec + Sinqia.

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