Criptomoedas: do que você está falando?

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Até o final de 2017, toda vez que eu lia algo sobre "Bitcoin" eu imediatamente torcia o nariz, pois não pretendia desperdiçar meu tempo com promessas de ganhos suntuosos e rápidos com zero esforço, pois o limite entre esta proposta sedutora e um "171" fica em linha muito tênue. Por outro lado, "criptomoedas" estavam distantes demais dos meus interesses para aplicar tempo em pesquisas que satisfariam todas as perguntas que eu sempre tive sobre o tema. Mas, o dia para saber mais finalmente chegou, e afirmo: não tem a ver com a valorização de 2017.

Primeiro, foi um artigo de um cliente que tratava do lançamento de uma criptomoeda da Kodak. Como assim uma moeda Kodak? Pensei. Então, no mesmo dia houve uma menção inédita em reunião interna oficial da nossa consultoria e exatos dois dias depois, uma grande amiga disse que queria me apresentar uma pessoa pra falar de Bitcoin. A sincronicidade dos eventos foi suficiente para despertar minha atenção. Naquele final de semana estava determinado a começar a entender.

Só precisei de três horas para me dar conta que eu havia dormido tanto quanto Rip Van Winkle e, entre uma pesquisa e outra, me perguntava perplexo onde estive nestes 10 anos para ter perdido tanto disso. O assunto logo se tornou tão expressivo a mim que não tenho dificuldade de admitir que virou obsessão.

No entanto, saibam logo: não estou aqui para validar que criptomoedas são ótimos investimentos, tampouco para bradar que a tecnologia empregada destituirá governos, bancos ou poderosos com uma verdadeira migração do poder para as pessoas. Por honestidade, menciono que sequer sou especialista (não estou certo que alguém no mundo seja). Mas, se você chegou até aqui e não sabe o que são criptomoedas e como elas funcionam, eu os convido a participar da construção deste conhecimento.

Nesta primeira etapa, eu relato as perguntas que eu tinha até muito pouco tempo atrás:

– Qual é o lastro da criação monetária de criptomoedas? Ou é fiduciária?

– Em que se sustenta a elevação disruptiva da cotação?

– Como ela é negociada? E por quem?

– Como é convertida em moedas nacionais?

– Qual é o grau de risco envolvido?

– O que significa a mineração? E como alguém sabe que encontrou um "diamante" nomeado bitcoin?

– Quantas criptomoedas existem e quais são as principais?

– Quais instituições/marcas de renome mundial apoiam sua existência? Pois há nomes "de peso" que condenam seu futuro.

– Por que criptomoedas consomem tanta energia elétrica? Qual é, sequer, a relação entre eles?

Nossa jornada começa em 2008. Apesar de muitos autores correlacionarem o início das criptomoedas com a crise mundial daquele ano, pessoalmente não encontrei referências que suportasse essa correlação. Há, de fato, um trabalho de nove páginas divulgado como o título de "Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system" cujo autor é "Satoshi Nakamoto". Até hoje ninguém sabe afirmar se Satoshi é uma pessoa real, ou mesmo um pseudônimo para um grupo. O que se sabe é que ele assinava artigos frequentes no fórum Bitcoin.org, mas ele "desapareceu" da internet em dezembro de 2010, data de sua última postagem no fórum que fundou. Sua identidade real permanece anônima, que pode ser só mais uma jogada de marketing no final das contas, ou alguém que realmente temia por sua vida para não aproveitar das oportunidades de negócio que sua fama faria surgir.

Entretanto, seu trabalho já havia ganho notoriedade suficiente para não depender mais de seu fundador, pois antes de entendermos o Bitcoin, a grande contribuição de Satoshi, na minha opinião, está na tecnologia que o suporta. Uma ideia elegante de tão simples, ainda que noções avançadas de tecnologia da informação sejam empregadas no processo, pode se tornar a próxima evolução da internet, pois ele reuniu em um só lugar: criptografia, peer-to-peer (P2P) e computadores trabalhando em rede, mecanismos contra fraudadores, eliminação de intermediários em transações financeiras, criação de moeda digital para incentivar a adoção do modelo de negócio, pagamentos instantâneos de e para, qualquer lugar do mundo, força de elos unidos para uma corrente e a construção de confiança em relações humanas interpessoais.

O que é importante entender é que a primeira evolução da internet foi o compartilhamento rápido de informações por meio da rede mundial de computadores. Tornou-se possível receber um e-mail escrito na Austrália há poucos segundos (enquanto uma carta levaria um mês, isso depois da pessoa ir aos correios postá-la), assistir a um vídeo ao vivo de um alpinista escalando a K2, ouvir uma música lançada há poucos minutos por seu artista favorito, entender matemática por uma aula escrita por um búlgaro ou ler uma notícia de ocorreu a 1 minuto no Afeganistão. Todas as fronteiras e barreiras foram rompidas de uma só vez no que se tratava de informações, documentos, notícias e vídeos. Basta lembrar que há poucos anos a Red Bull transmitiu ao vivo o salto do paraquedista Felix Baumgartner direto da extratosfera.

Mas, no que diz respeito à música, por exemplo, percebemos que havia um problema. O Napster nos ensinou que a facilidade de compartilhamento poderia infringir leis e atrapalhar setores da economia. E um destes problemas sérios permanecia insolúvel. Chamado de "double-spending problem" ou problema do gasto duplo, está relacionado ao dinheiro digital. O que ocorre é que quando compartilhamos documentos, vídeos e e-mails na internet, não enviamos a original, enviamos uma cópia. Com dinheiro, isso não é possível, pois o princípio do valor da moeda é garantir com 100% de certeza que se eu te pagar R$ 100 por um serviço, eu não tenho mais acesso aos mesmos R$ 100 para pagar a outra pessoa. Ele deixa de ser meu para ser de alguém. Se falhasse o controle, aquela moeda perderia todo seu valor em tempo mais rápido que você poderia gastá-lo.

As nove páginas do Satoshi Kakamoto em 2008 falam de uma tecnologia aplicada a um processo que se destina não apenas a resolver o double-spending, mas também cortar a necessidade de intermediários no processo para torná-lo mais democraticamente acessível a todos. Ele parte do princípio que um grupo de pessoas se destinaria a hackear o sistema e constrói todo um racional de forma a desincentivar o mau uso da capacidade intelectual deste grupo de pessoas, enquanto o incentiva a trabalhar em prol do novo sistema, pois eles podem ser melhor recompensados. E propõe, enfim, um modelo baseado em compartilhamento público de informações de crédito e débito de moeda entre pessoas, com o máximo possível de segurança para elevar sua credibilidade por meio de criptografia, baseado em mecânica de mineração para remunerar aqueles que trabalham em prol do sistema.

Naturalmente, tem mais coisa que a gente precisa saber para entender. Para mim foi bastante confuso no início, mas ao mesmo tempo fascinante. Desta forma, pretendo te ajudar a entender a tecnologia e ao mesmo tempo absorvê-la, de forma a cristalizar o conhecimento em você e em mim ao mesmo tempo.

Thiago Las Casas, head de análise de mercado e sócio da Topper Minds.

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