Bitcoins não são moedas

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Existe muito interesse sobre o tratamento jurídico das criptomoedas (moedas virtuais), como o BITCOIN, no Brasil e no mundo todo. Não seria para menos, tendo em vista o poder disruptivo pregado pelos defensores da inovação e da escalada tecnológica. Adicionando uma camada extra de discussão acerca desse tratamento jurídico, nos deparamos com outras dificuldades geradas pelo mercado e pelos diversos usos das criptomoedas.

Vamos a um exemplo: o nome utilizado para definir toda essa inovação tem sido criptomoedas, moedas virtuais, ou "altcoins", abreviação do inglês para "moedas alternativas". Com isso, seriam as altcoins ou o BITCOIN, em razão de serem chamadas de "moeda", uma moeda para efeitos legais no Brasil?

Entendo que não, pois o artigo 164 da Constituição Federal estabelece como de competência da União, exercida exclusivamente pelo banco central, a possibilidade de emissão de moeda. Não sendo o BITCOIN ou qualquer outra criptomoeda emitida pelo Banco Central do Brasil ou por uma autoridade monetária (pelo contrário muitas delas não possuem um emissor, são geradas de forma descentralizada, de forma aberta pela rede de computadores), não se pode falar em moeda para os fins legais e de seu enquadramento jurídico no Brasil.

As criptomoedas também não podem ser confundidas com "moeda eletrônica", uma vez que existe uma definição legal de moeda eletrônica no Brasil. De acordo com a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013 (art. 6º, inciso VI), moeda eletrônica é definida como "recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico, que permite ao usuário final efetuar uma transação de pagamento, exclusivamente denominada em moeda nacional", em reais.

Adicionalmente, o Banco Central do Brasil, em comunicado realizado em 2014, dizia que "as chamadas moedas virtuais possuem forma própria de denominação, ou seja, são denominadas em unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais".

Com base nessa definição, percebemos claramente que o BITCOIN e as altcoins também não se enquadram nessa definição estrita e por isso não podem ser classificadas e tratadas como moedas eletrônicas de acordo com a legislação vigente.

A própria Receita Federal, no manual de perguntas e respostas relacionadas ao Imposto de Renda Pessoa Física 2017, reconhece que as criptomoedas não podem ser consideradas como moeda nos termos da regulação atual, devendo ser classificadas como "outros bens", isto é, devem ser classificadas como qualquer outro ativo ou bem que possua um valor, como uma obra de arte, esculturas, joias, etc.

Esclarecedora essa posição, uma vez que existindo o enquadramento das criptomoedas como "outros bens", não se pode criminalizar a compra e venda desses bens. Seria como a compra de um carro, de uma geladeira, ou de qualquer outro bem que não tenha sua comercialização proibida ou restrita. Aí entra outra questão, existe lei específica proibindo a compra e venda de criptomoedas? Não, atualmente não existe. Como não existe tal proibição ou restrição para sua circulação, a compra e venda de criptomoedas é permitida, devendo inclusive (conforme entendimento da Receita Federal) ser informada a propriedade desses bens na declaração de imposto de renda anualmente, havendo tributação de eventuais ganhos auferidos em razão da negociação desses ativos, ou melhor, dessas criptomoedas.

Agora, vamos avaliar outro caminho, seriam as criptomoedas meios de pagamentos regulados?

Entendo que esse enquadramento também não seria correto nos termos do marco regulatório atual, em razão de não haver garantia de conversão das criptomoedas para moedas emitidas por autoridades monetárias. O Banco Central do Brasil no mesmo comunicado de 2014, deixou claro que "não há nenhum mecanismo governamental que garante o valor em moeda oficial dos instrumentos conhecidos como moedas virtuais, ficando todo o risco de sua aceitação nas mãos dos usuários".

Esse entendimento faz bastante sentido e seria compatível com o tratamento das criptomoedas como bens (outros ativos), afastando a sua conceituação como moeda, moeda eletrônica ou meio de pagamento regulado. De forma caricata, por ter o mesmo tratamento de um bem, como uma geladeira, por exemplo, a autoridade monetária não reconhece que uma geladeira possa ser utilizada como meio de pagamento, mas nada impede que uma outra pessoa reconheça valor nessa geladeira e aceite esse bem como forma de pagamento por outro bem ou serviço. Exatamente esse seria o enquadramento dos BITCOINS, altcoins, moedas virtuais ou criptomoedas. Como bens (outros ativos), as transações com BITCOINS são juridicamente escambo, troca de coisas entre pessoas (indivíduos ou empresas) de forma direta, pelo valor que cada parte reconhece no bem ou serviço oferecido de um ao outro, e aceito por ambos.

Todo esse enquadramento das criptomoedas como bens, ativos, escambo, é bastante tranquilizador. De certa forma, uma volta às origens da humanidade, que na ausência de moeda trocavam serviços e coisas pelos seus respectivos valores intrínsecos e individualmente percebidos.

Com base nesse entendimento, abrem-se caminhos diversos para que sejam realizadas uma série de atividades e sejam criados diversos tipos de negócios lícitos no âmbito das criptomoedas. É preciso, claro, assim como quando nos deparamos com qualquer forma de inovação que testa as fronteiras legislativas, estar atento para o seu correto enquadrando, criando estruturas legais que permitem a sua utilização e exploração comercial de forma segura e amparada juridicamente.

Outra questão, totalmente distinta da circulação das criptomoedas, seria a utilização de criptomoedas como veículo de captação de recursos de investidores de forma pública. Nesse aspecto, assim como qualquer outro instrumento financeiro que tenha tal objetivo, estaria sujeito às regras e regulações da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Daniel Vianna de Azevedo Barros, do escritório Halembeck Barros.

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