Empresas de comunicação querem limite acionário também na Internet

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O avanço inegável da Internet como uma plataforma de divulgação de conteúdos audiovisuais e jornalísticos continua estimulando debates no Legislativo sobre a necessidade ou não de se fazer um controle da exploração desse meio pelas empresas. Além das iniciativas polêmicas de regulação da Internet e do PL 29/2007, que propõe regras unificadas para a TV por assinatura e chegou a incluir o tema em seu escopo, a Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira, 11, um debate sobre a possibilidade de se aplicar as restrições constitucionais ao capital estrangeiro também a portais de notícia na web.
As regras de composição do capital das empresas de comunicação estão no artigo 222 da Constituição Federal. Neste item, o Estado define que empresas jornalísticas e de radiodifusão só podem ser de propriedade de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos e 70% do capital votante deve, obrigatoriamente, pertencer a brasileiros direta ou indiretamente. A gestão do conteúdo também só pode ser exercida por brasileiros. Na visão da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), estes princípios garantem a soberania e a preservação da cultura nacional, além de identificar com clareza as responsabilidades de quem presta este serviço público à nação.
A partir dessa interpretação, o consultor jurídico da Abert, Luiz Roberto Barroso, defendeu a validade dessas regras também para a divulgação de notícias e veiculação de conteúdos por empresas privadas em portais na Internet. "O argumento central que se tem aqui é que, se as empresas jornalísticas, se as empresas de radiodifusão estão sob um regime jurídico, porque os portais de Internet estão sujeitos a outra regra se o objetivo maior é a soberania nacional?", questionou o consultor. "Deveria haver a mesma regra, no mínimo, por isonomia."
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) segue o mesmo raciocínio e alerta para a possibilidade de se configurar uma "competição desleal" entre os veículos de comunicação "do mundo real e do mundo virtual". "A preocupação maior do constituinte não era com o meio, não era com o veículo, mas sim com o conteúdo e com quem o domina", afirmou Tércio Ferraz, especialista em direito e representante da ANJ no debate. "Me parece claro que a leitura da Constituição deve ser a mesma nesses dois níveis."
A advogada Thaís Gasparian, representante da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (Abranet), concordou com a análise das outras duas entidades. "A Abranet entende que, também por meio eletrônico, a distribuição de conteúdo deve ser feita por empresas nacionais", declarou. Mas o pronunciamento consensual das associações retrata apenas um lado da discussão.
Questão complicada
Para o especialista em Internet e diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko, a implementação desses princípios nas empresas que atuam no universo virtual pode não ser tão simples. "Acho que não há como extrapolar isso para o mundo virtual até porque há uma dificuldade de classificar as empresas nesse meio." Getschko acredita que uma discussão sobre como classificar essas companhias pode até ser válida, mas é importante encarar que, muitas vezes, não é possível saber sequer quem é o propagador das informações na Internet.
A análise do consultor jurídico do Ministério das Comunicações, Marcelo Bechara, considera esses dois lados da questão. Para Bechara, é importante não encarar a Internet como um meio em si, já que ela é apenas mais uma plataforma para veiculação de conteúdos. Nesse contexto, não seria necessário a análise específica do ambiente da Internet e as leis valeriam tanto para o ambiente real quanto para o virtual, sem que isso leve a um debate sobre a regulação da web. "A aplicação das normas é sobre as empresas e não sobre a Internet", argumentou.
Nenhum dos deputados presentes no debate propôs uma normatização específica da Internet para resolver essa diferença de tratamento. Ainda assim o autor do requerimento, deputado Eduardo Gomes (PSDB/TO), que também preside a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), onde foi realizada a audiência, chamou atenção para a importância do debate e que o tema não será encarado como um "tabu".
Um dos alvos potenciais de uma eventual aplicação do artigo 222 sobre os portais de Internet é o Terra, empresa do grupo da Telefônica e que tem feito fortes investimentos na produção de conteúdo jornalísico e audiovisual. As empresas foram citadas pelo deputado Emanuel Fernandes (PSDB/SP) em seus comentários na audiência e, embora os participantes não tenham comentado nominalmente sobre os efeitos da ação sobre as empresas da espanhola Telefônica, o representante da Abert fez uma brincadeira que resumiu a preocupação das radiodifusoras com uma provável expansão do capital estrangeiro na divulgação de conteúdos pela Internet. "Se ao invés de ver jogo de futebol no domingo a gente passar a ver touradas, não vai ser legal", brincou Barroso.

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