Pena de morte para empresas: um dos riscos da Lei Anticorrupção

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Depois de três anos em vigor, a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) apresenta como saldo a celebração de diversos acordos de leniência e a instauração de investigações administrativas, tendo-se notícia de 29 procedimentos apenas no âmbito da Operação Lava Jato.

As penas previstas por essa Lei podem ir de multa de 6 mil reais até a dissolução compulsória da sociedade, que representa, na prática, a condenação à "morte" de uma empresa.

A abrangência da Lei é tamanha, que atos aparentemente inocentes, como convites para funcionários públicos palestrarem ou assistirem a eventos; presentes de fim de ano e doações de equipamentos a órgãos públicos podem ser interpretados como "tentativas de corrupção", independentemente de culpa ou dolo.

Todo cuidado é pouco, pois empresas, associações, fundações, de qualquer tamanho e com qualquer organização jurídica podem ser enquadradas e eventualmente "executadas" (liquidadas) por atos ou omissões de colaboradores ou mesmo de terceiros pertencentes à mesma cadeia de valor.

Ao rigor das sanções, soma-se a insegurança jurídica sobre a forma de atuação da Administração Pública para sua imposição, considerando a competência difusa atribuída pela Lei aos diversos órgãos dos três poderes e das entidades federativas para a apuração das infrações, além da falta de uniformidade no tratamento do tema.

Nesse cenário nada animador para os empresários, a Lei Anticorrupção transfere para o particular o dever de fiscalização, impondo a adoção de um conjunto de medidas internas que permita prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores, o denominado compliance.

Voltaremos a esses assuntos mais abaixo e sugerimos, no fim, a adoção de 6 medidas que podem diminuir o risco de a empresa ser vítima dessa Lei.

Aspectos Jurídicos

Desde 29 de janeiro de 2014, a Lei Anticorrupção está em vigor para dispor sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Criada em um cenário de pós "Mensalão" e início da "LavaJato", foi intitulada de "Lei Anticorrupção" ou "Lei da Empresa Limpa", uma vez que permitiu a punição de empresas por atos de corrupção envolvendo funcionários públicos brasileiros ou estrangeiros, suprindo, assim, uma lacuna do direito brasileiro, que, anteriormente, previa apenas a punição das pessoas físicas, responsáveis pela prática de atos de corrupção – ativa ou passiva –, conforme previsto no Código Penal Brasileiro.

A Lei brasileira buscou incorporar institutos estrangeiros, como a "Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais" da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – e também o FCPA – "The Foreign Corrupt Practices Act" dos Estados Unidos da América, e o "UK Bribery Act", do Reino Unido, voltados a coibir práticas de corrupção no exterior.

Importante destacar que, ainda que o legislador tenha optado por dar uma roupagem administrativa a essa lei, pela correspondência de condutas com citados artigos do Código Penal, bem como pelas graves sanções previstas, a Lei Anticorrupção deve ser vista como uma lei de caráter penal.

Contudo, enquanto vedada no Direito Penal a responsabilização objetiva – entendida, em breves linhas, como aquela atribuída independentemente da aferição de dolo ou culpa, de conhecimento e de participação -, a Lei Anticorrupção prevê essa forma de responsabilização da pessoa jurídica, não excluída, com isso, também a responsabilização individual dos dirigentes ou administradores pessoas físicas.

É importante destacar que a responsabilidade não é restrita aos atos praticados por executivos ou colaboradores da empresa, abrangendo também aqueles cometidos por terceiros, em seu benefício, como fornecedores e despachantes, mesmo sem o conhecimento da empresa.

Qualquer empresa pode ser responsabilizada, independentemente de seu porte ou constituição formal, uma vez que a Lei expressamente se aplica às sociedades empresárias ou simples, personificadas ou não, bem como a fundações e associações. Marcada por extrema abrangência, a Lei ainda permite a desconsideração da personalidade jurídica para impor as sanções pessoalmente aos sócios e administradores, quando verificado abuso de direito ou confusão patrimonial.

Com base nisso, afora a discussão da constitucionalidade, ou não, de mencionada responsabilização objetiva, fato é que as sanções que podem ser impostas com base na Lei 12.846/2013 são bastante rigorosas, podendo variar entre a aplicação de multa de R$6.000,00 (seis mil reais) a R$60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), até 20% (vinte por cento) do faturamento bruto da empresa no exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, sendo possível, ainda, o ajuizamento de ação para perdimento de bens, direitos ou valores obtidos com a infração, suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa ou a dissolução compulsória da sociedade.

Muito além de constituir um modelo de gestão internacional, prevenção de riscos, identificação antecipada de problemas, reconhecimento de ilicitudes em outras companhias, benefício reputacional e/ou uma redução de custos e contingências, a adoção de referidas medidas deve ser vista pelos empresários como um mecanismo importante para atenuar as sanções que poderão ser impostas, e até mesmo, de acordo com o caso concreto, contribuir para eventual absolvição da pessoa jurídica em processo administrativo de responsabilização ou ação judicial.

Isto porque, ainda que a apuração de determinada conduta esteja eivada de subjetivismo, o Decreto 8.420/2015 – que regulamenta a Lei Anticorrupção – prevê um verdadeiro cálculo aritmético para aplicação das sanções, com fatores positivos e negativos.

Nesse sentido, o maior fator para diminuição da sanção é o previsto no inciso V do artigo 18: "um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV".

Compliance

Importante ressaltar, antes de enumerar algumas das medidas possíveis, que o compliance deve ser sólido, efetivo e independente, não podendo ser um instituto meramente formal.

São medidas de compliance:

  1. Contratação de um Compliance Officer, que pode ser terceirizado;
  1. Criação de códigos de ética e conduta; com modelos disponíveis publicamente, na internet, mas que devem ser moldados às particularidades da empresa;
  1. Realização de auditorias e apurações internas, acompanhadas de respostas adequadas e sanções claras e efetivas;
  1. Adoção de mecanismos para possibilitar denúncias anônimas;
  1. Treinamentos e comunicações constantes; frequência e sequência são essenciais;

Definição de diretrizes para atuação com funcionários públicos e agentes financeiros.

Somente com a adoção de um sistema sério de compliance, que vise a formação de uma cultura organizacional e o efetivo combate à corrupção, as pessoas jurídicas poderão se prevenir e reduzir seus riscos, mitigando a interferência e constante tentativa de sanção pelo Estado.

Prof. Dra. Denise Vaz, managing Partner de Provasi Vaz Sociedade de Advogados, especialista na área penal corporativa, professora da FGV e da UNIP, Bacharelado, Mestrado e Doutorado pela Faculdade de Direito da USP.

Carolina Marzano, advogada pela Universidade Mackenzie, Pós-graduada pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP em Propriedade Intelectual e Especializada em Compliance pelo INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa, atualmente responsável pela implementação do Programa de Compliance da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software.

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