O Brasil tem até o primeiro trimestre de 2018 para ajustar sete programas de incentivo industrial, entre eles a Lei de Informática, às regras impostas pela Organização Mundial do Comércio. O resultado do contencioso aberto pela União Europeia e Japão já teve resultado, mas o País acabou ganhando mais tempo porque a tradução do relatório atrasou. Com isso, a ideia agora é construir um projeto de lei em vez de uma medida provisória para contemplar todos os setores envolvidos. “Mas não será uma tarefa fácil, devido a interesses tão diversos”, disse o deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), que promoveu, nesta quinta-feira, 11, uma audiência pública sobre o tema na Câmara.
Com o atraso na tradução, a adequação dos programas, que deveria acontecer até agosto, ganhou mais fôlego e haverá mais tempo para se encontrar soluções para manter incentivos a pesquisa e desenvolvimento no País. De acordo com a chefe da Divisão de Contenciosos Comerciais do Itamaraty, Daniela Benjamin, a OMC não é contra políticas de incentivos de P&D, já que muitos países a praticam, mas aos mecanismos usados para isso. No caso do Brasil, a redução do IPI é a prática mais contestada, porque não atende ao produto estrangeiro, que acaba discriminado. Para receber a redução do imposto (que pode cair de 15% para 3%) as empresas de fora precisam trazer a produção de insumos para o Brasil, conforme Processo Produtivo Básico (PPB). Os importados não conseguem se habilitar na Lei de Informática sem produção local.
Segundo o secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Maximiliano Martinhão, a Lei de Informática cabe aperfeiçoamento, mas o País não pode prescindir de uma política pública que funciona há 25 anos e que garante a aplicação de R$ 1,5 bilhão anuais em P&D, atende a 673 empresas, gera 135 mil empregos, envolve 18 mil pesquisadores e 334 instituições de pesquisa credenciadas. Além disso, a renúncia fiscal (R$ 5,2 bilhões) é superada com o que é pago para outros impostos (R$ 9,78 bilhões).
Daniela disse que, após a tradução do relatório e da circulação do documento pelos países-membros, processo que deve terminar no mês de agosto, o Brasil terá dois meses para ter resultado de uma possível apelação. Depois disso, terá 90 dias para adequar os programas às normas acordadas da OMC, que considera um prazo muito pequeno. Ela acredita que o prazo deve acabar no final do primeiro trimestre de 2018. Caso as determinações não sejam cumpridas, o Brasil sofrerá retaliações no comércio internacional.
Martinhão defende a elaboração de uma medida provisória para facilitar a adequação e diz que já há um grupo que, sob a coordenação da Casa Civil, está debatendo a elaboração de proposta. Ele afirma que já há consenso em incluir investimentos em empresas com base tecnológica, principalmente startups. Além disso, pode prever a internacionalização das empresas de softwares. Ele disse que o governo abriu um escritório com a Softex nos EUA e pretende levar estrutura semelhante a outros países.
Crise fiscal
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, Humberto Barbatto, a questão é o maior desafio dos 50 anos da Abinee. “Esse debate definirá o destino da nossa indústria e da economia digital”, disse. Afirmou que a entidade vai apresentar sugestões para alteração da Lei de Informática, mas entende que existe uma preocupação enorme de que a crise fiscal atual do País acabe diminuindo os incentivos, fazer com que política industrial deixe de ser prioridade, especialmente do setor de TIC.
O presidente da Brasscom, Sérgio Gallindo, alegou que a alteração da Lei de Informática é a oportunidade de adequar o programa “à nova era” e de aperfeiçoar os mecanismos de incentivos. Ele ressalta que há um descasamento entre o uso de tecnologia e a capacidade de inovação, que precisa ser superado. Mas ressalta que a urgência agora é manter a desoneração da folha do setor de TIC que, enquanto esteve em vigor, possibilitou a criação de 95 mil postos de trabalho e crescimento de 12% do Setor. “Mesmo com a crise, crescemos 5,5% e foi observado um superávit arrecadatório de R$ 4 bi”, disse. Com a reoneração, o setor pode perder 83 mil empregos em três anos, crescer apenas 2%, enquanto poderia ser 7%, e arrecadar R$1,1 bilhão a menos.
O assessor para Assuntos Institucionais do Departamento de Ciência e Tecnologia do Comando do Exército, general de Divisão Aderico Mattioli, por sua vez, afirmou que temas de Defesa não fazem parte da OMC, mas é uma ótima oportunidade de se chegar à não dependência tecnológica. O representante da Confederação Nacional da Indústria, João Emílio Padovani, alerta que o risco da não implementação das decisões da OMC é a retaliação com impactos imprevisíveis, pois pode atingir outros setores além dos diretamente envolvidos no contencioso. Assim como preocupa a possibilidade de entrar na indústria 4.0 sem ter uma política para incentivar o setor de TICs nessa era de digitalização da economia.
O representante da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti), Lauro Neto, é grande a preocupação com as mudanças, que podem trazer grandes dificuldades para as 176 instituições filiadas, de todas as regiões do País, muitas delas criadas a partir da Lei de Informática. O representante do Sindicato das Empresas de Informática do Estado do Rio de Janeiro (TI Rio), John Forman, disse que as alterações no programa de incentivo devem contemplar mais o setor de software, já que as regras atuais favorecem o hardware. E o representante da P&D Brasil, Antonio Porto, ressalta que sem incentivos, o déficit do setor eletroeletrônico pode aumentar caso as empresas estrangeiras incentivadas deixarem o País. Para ele, a política pública precisa englobar o financiamento à inovação e política de compras governamentais.
O deputado Celso Pansera disse que pretende promover o debate entre os setores e ajudar na elaboração de um projeto de lei. Gallindo disse que não é possível fazer a alteração da Lei de Informática sem promover consultas públicas e defende que seja feita por meio de projeto de lei e não por medida provisória.