Publicidade
Início Blogueria Pokémon Go e o desrespeito ao Marco Civil da Internet

Pokémon Go e o desrespeito ao Marco Civil da Internet

0
Publicidade

A febre Pokémon GO tem motivado discussões nos mais variados fronts como, por exemplo, psicologia, educação física e direito. Nesse último, ao qual me cabe opinar –  embora cometa o atrevimento de opinar nos demais em rodas informais – as abordagens tratam desde violações às regras consumeristas de transparência e dever de informação, sobretudo aquelas definidas pelo Decreto nº7.962/13, até infrações à Lei nº 12.965/14, Marco Civil da Internet (MCI), especialmente no tocante ao artigo 7º que traz os direitos dos usuários, dentre eles a garantia à privacidade.

Há ainda aqueles que arrazoam sobre o viés conspiratório, que os dados coletados fazem parte de uma política estatal e que certamente sua vida, em um futuro não tão distante, estará nas mãos de um controlador aos moldes do Big Brother Orwelliano.  Não há dúvidas de que a coleta e o tratamento de dados em ambiente digital tem e deve ser preocupação dos usuários, todavia, não é o Pokémon GO o primeiro aplicativo a solicitar, em seus Termos de Serviço ou Política de Privacidade, autorizações tão amplas e pouco transparentes.

Certamente, a autorização para coleta de dados tão invasivos, como acesso a câmera, dados pessoais, localização geográfica, dentre outros, deve ser precedida de informação clara ao consumidor (art. 6º, inciso III do Código Consumerista e artigos 2º, 3º e 4º do Decreto nº 7.962/13 – Decreto do E-commerce). Também é direito do usuário ter garantida sua privacidade (art. 7º, incisos VI, VII, XI do MCI), bem como autorizar expressamente a coleta e transferência de dados (art. 7º, IX, MCI). Tais regras não são atendidas pelo game, que sequer disponibiliza o contrato (“Termos de Serviço” ou “Termos de Uso”) ao usuário para que ele armazene “em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação” (inciso IV, art. 4º Decreto nº 7.962/13).

Não desejo entrar nessas questões pormenorizadamente agora, até porque, como dito, são vários os artigos e opiniões abordando essas questões e, também, porque tais infrações têm sido corriqueiras em inúmeros outros aplicativos. O ponto que trago, num exercício de futurologia, é que essa crescente percepção das irregularidades pode trazer mais um caso de proibição de aplicativo em solo nacional.

Explico. Embora o Marco Civil da Internet tenha trazido a obrigação às empresas que ofertam serviço aos brasileiros de respeito a legislação pátria, fato é que costumeiramente não dão a mínima para nossas normas. Querem os dados, o dinheiro, mas não se sujeitam ao cumprimento das regras. E vejam que as regras acima pontuadas são relativamente fáceis de serem cumpridas, porquanto apenas relativas ao dever de informação, transparência e boa-fé contratual, para as quais uma revisão dos documentos legais, da arquitetura da informação e a instituição de políticas internas de segurança da informação é capaz de atendê-las, como também a outras regras expostas naquelas mesmas normas, em legislações esparsas e no próprio Decreto nº 8.771/16 que regulamentou o Marco Civil.

Preferindo não fazerem essas simples adequações, ferem de morte o disposto no art. 11 da Lei nº 12.965/14, que estatui que “em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.”

Em caso de descumprimento da legislação pátria, cabe a aplicação das sanções previstas no artigo 12 do MCI. Das sanções ali previstas, as advertência e multas só fazem sentido se houver ao menos um representante do conglomerado econômico estabelecido em solo nacional. O aplicativo/game é fornecido pela Niantic Inc, em parceria com o grupo The Pokémon Company, do qual integra a Nintendo. No entanto, nenhuma das empresas ali, nem mesmo a poderosa Nintendo, possuem, atualmente, representante em solo nacional capaz de se sujeitar ao pagamento de multas, conforme prevê o parágrafo único do art. 12.

Numa situação assim, não se duvida que a qualquer momento um juiz acatando as infrações acima apontadas, possa determinar a suspensão ou mesmo a proibição do aplicativo em solo nacional, determinando os bloqueios aos provedores de conexão ou mesmo a retirada do game das lojas Apple Store e Google Play. Obviamente, antes de medidas assim, sempre é necessário buscar notificar a empresa para que cumpra a lei nacional, ainda que sediada em outro país, a fim de evitar prejuízo aos usuários adeptos ao game. A partir daí, permanecendo inerte e, considerando ser a privacidade no Brasil um valor constitucional a ser perseguido, tais medidas poderão ser ventiladas. Lembrando que não se trataria de uma medida arbitrária, típica de países ditatoriais, como alguns sempre comparam, mas sim respeito à nossa soberania e cumprimento de princípios constitucionais e regras mínimas para proteção da privacidade dos cidadãos brasileiros.

Rafael Maciel, advogado especialista em Direito Empresarial e em Direito Digital, atual vice-presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/GO.

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.

Sair da versão mobile