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A desigualdade e a transformação digital

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A transformação digital é um dos temas mais relevantes da atualidade. A digitalização dos diferentes processos das empresas, sejam eles internos ou voltados para clientes, já vinha acontecendo de forma acelerada há alguns anos, mas se acelerou muito neste momento de pandemia que estamos vivendo. Com as pessoas em casa, trabalhando de forma remota, consumindo conteúdo e serviços através da internet e fazendo mais compras online, a relevância dos processos digitais ficou cada vez maior. Empresas que não se adaptaram a essa nova realidade estão rapidamente ficando para trás no mercado.

Infelizmente, essa transformação não ocorreu de forma igualitária para toda a população. Apesar de todo o discurso de “democratizar o acesso” a produtos e serviços propagandeado pela nova leva de empresas de tecnologia – e por empresas de outros setores que se apropriam do glamour da tecnologia, como fintechs, insurtechs, lawtechs, foodtechs e tantas outras – a revolução está longe de ser democrática. As pessoas com maior poder econômico, que já tinham amplo acesso a todo tipo de produtos e serviços no mercado, têm mais facilidade, menos burocracia e, em muitos casos, menos custo. A população com menor poder econômico, que em teoria é justamente o mercado que essas novas empresas buscam abordar, se vê cada vez mais excluída da economia digital.

Não é difícil perceber essa exclusão. Pense em uma conta digital ou cartão de crédito que exige o cadastro através de um aplicativo. Boa parte da população não tem memória o suficiente no telefone para baixar o aplicativo, ou não tem plano de dados para poder gastar operando sua conta via o celular, ou não tem uma boa qualidade de conexão com a internet, ou não tem um telefone com uma câmera boa o suficiente para fazer um cadastro via selfie. E essas são só as barreiras óbvias. Existem dezenas de outras barreiras, implícitas nos sistemas de informação e nos próprios processos que são adotados que acabam aumentando a dificuldade de acesso dessa população a produtos e serviços através de canais digitais. No fundo, a transformação digital, ao invés de democratizar, reforça as fronteiras da desigualdade que já existem hoje.

E esse reforço não acontece apenas no escopo da desigualdade social. Apesar de todo o discurso de inclusão das empresas de tecnologia, menos de 1% dos sites e menos de 1% dos principais aplicativos de smartphone estão preparados para pessoas portadoras de deficiência. São mais de 45 milhões de pessoas no Brasil (quase 25% da população) esquecidas ou deixadas de lado por essa chamada “transformação”. Pior: muitas empresas implementam soluções para ganhar eficiência esquecendo que existe esta fatia importante de pessoas que dependem de modelos mais analógicos no seu dia-a-dia. Uma empresa que elimina o atendimento telefônico para interagir com os clientes apenas via chat, por exemplo, vai tornar a vida dos deficientes visuais muito mais complexa, mesmo que não-intencionalmente.

A verdade é que a desigualdade – social, econômica, de acesso, ou qualquer outra – acaba sendo esquecida ou ignorada quando falamos de transformações tecnológicas. Com isso, ao invés de atingir o seu objetivo central, de democratização do acesso, as inovações tecnológicas acabam por reforçar as barreiras de acesso da população em geral. Essas barreiras, por sua vez, reduzem o tamanho do mercado potencial, dificultando o retorno sobre o investimento em tecnologia.

Endereçar a desigualdade e a acessibilidade, portanto, não é uma questão ética ou de reforço de marca. É pura e simplesmente uma boa prática de negócio, capaz de melhorar diretamente o resultado financeiro das empresas e, com isso, suas posições no mercado. São temas que devem ser parte integrante da discussão de transformação digital e que todos os profissionais de tecnologia têm que ter em mente para que os processos realmente se transformem.

Thoran Rodrigues, fundador e CEO da BigDataCorp. Formado em Engenharia de Computação, Mestre em Informática e com um MBA em Gestão de Negócios pela PUC-RJ,  tem mais de 15 anos de experiência no mercado de tecnologia, já tendo trabalhado em laboratórios de pesquisa e empresas de diversos tipos e portes.

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