Sabe qual é o problema da maioria das empresas? Elas acham que podem melhorar sua performance como um todo ao otimizar individualmente partes da empresa. Pareceu confuso? Vou explicar melhor.
Para começar é preciso ter em mente que todo sistema tem um gargalo pior do que os outros, portanto, o desempenho de qualquer sistema é limitado pelo seu pior gargalo. Em outras palavras, a resistência de uma corrente é igual à resistência de seu elo mais fraco. Basta que um elo se rompa para que a corrente se torne inútil.
Vou dar um exemplo. Imagine que você é dono de uma padaria e percebe que sempre tem clientes insatisfeitos pela demora na fila do caixa. A sua primeira ideia é aumentar a quantidade de caixas disponíveis, certo?
Mas será que o problema está de fato ali? Ou será que é porque a internet da máquina do cartão de crédito está ruim? Será que seu público prefere pagar em dinheiro e está faltando troco? Será que, na verdade, a pessoa responsável pelo caixa está sem treinamento e demorando muito? São muitas possibilidades. Adicionar mais um caixa talvez seja uma solução local ótima e não necessariamente uma solução global – seria necessário investigar.
Mas o que isso tem a ver com o gargalo das empresas de tecnologia? Tudo. Pense como elas, em via de regra, funcionam. De um jeito simplório funciona assim: os executivos se reúnem e decidem que é a hora da empresa melhorar a métrica "XPTO". Logo em seguida é feito um anúncio para a empresa inteira dizendo que a prioridade número 1 é a métrica "XPTO".
E o que acontece? O modelo clássico de cascatear os objetivos por todas as áreas da empresa. Com isso, cada líder começa a priorizar iniciativas que impactam esta métrica e é justamente aí o problema. Nessa hora que a cascata é feita, cada área da empresa, muitas vezes, olha somente para as suas métricas e pensam somente nas melhorias locais, das suas áreas individualmente e não no todo.
Os OKRs ajudam a mitigar isso por meio de alinhamentos, check-ins mensais e até os famosos "Shared OKRs". Entretanto, isso não resolve o problema, afinal o viés de pensar em metas da sua própria área é maior (principalmente se isso contar na avaliação de desempenho do colaborador).
Isso é uma doce ilusão que os executivos possuem – principalmente aqueles que nunca estiveram executando no dia a dia e possuem uma falta de sensibilidade com a realidade.
Vamos a mais um exemplo. Imagine uma startup ali pelos seus Series D ou E. Ela está bombando. Todo mundo quer trabalhar lá. Uma vaga aberta tem mais de 2.000 aplicações. Incrível!
Agora, para fins ilustrativos, imagine que essa startup sexy é um marketplace B2B2C – e, naturalmente, as áreas que mais demandam para Produto e Engenharia são Marketing e Comercial. Como já é de se imaginar, existe muito mais demanda, ideias de projetos e coisas que são "must-have" do que a engenharia consegue construir a tempo.
É nessas horas que o bicho pega – se engenharia virou gargalo então o que as outras áreas vão fazer? E a área de produto e design? Elas vão trabalhar em projetos que serão feitos depois de 6 meses ou 1 ano? Até começarem a implementar vai às necessidades do mercado podem estar defasadas.
E por que isso acontece? Porque as empresas operam sob uma regra universal do mercado de trabalho: "esteja ocupado." E não algo como "Otimize ao máximo seu tempo e esforço". Com isso, as pessoas precisam estar ocupadas produzindo coisas que, em sua maioria, não serão utilizadas, pois até chegar a hora de ser desenvolvido já ficou datado ou as prioridades mudaram.
Mas também não dá para culpar os middle managers, afinal, eles não podem ter um recurso subutilizado. E também não dá para culpar os funcionários, até porque não tem nada pior do que estar num emprego onde parece que você tem pouca coisa pra fazer – a culpa mesmo é da alta liderança (C-levels, diretores, etc).
Enquanto a engenharia está com gargalo, as outras áreas resolvem criar mais projetos – e, obviamente, tem de tudo. Desde ideias "inovadoras" até estudos que podem ser relevantes. Mas a verdade é que isso gera ainda mais problemas, porque esses novos projetos eventualmente se tornarão demandas para engenharia e produto. E por mais que você tenha equipes maduras na área de tecnologia que saibam dizer não, ficar dizendo não, analisando demandas e participando de reuniões é extremamente desgastante e leva tempo que poderia estar sendo alocado em coisas mais produtivas.
Quando as empresas chegam nesse ponto, todo mundo começa a ficar frustrado, os resultados começam a atingir um platô, nenhum produto é lançado e o "management team" sente a necessidade de fazer algo.
E o que eles fazem? Se tiverem funding (lembrem que é uma startup sexy e com várias rodadas de investimento), vão contratar mais gente. Genial! Agora o gargalo é ainda maior. Porque além de ter o gargalo antigo, você adicionou pessoas que ainda vão precisar passar pela curva de aprendizado e você nem sequer resolveu o primeiro gargalo.
Lembra da premissa do início do texto? Todo sistema tem um gargalo pior do que os outros, portanto, o desempenho de qualquer sistema é limitado pelo seu pior gargalo.
É por isso que temos pessoas ficando exaustas de tantas videochamadas, pessoas se sentindo miseráveis nas empresas, gente com anos de experiência sem cases para relatar – tudo isso porque as empresas são ineficientes e acreditam que a forma de serem mais eficientes é contratando. Os gestores esquecem que precisam resolver o maior gargalo de todos antes de pensar em otimizações locais dos gargalos menores – e não, nem sempre é contratando mais gente que você resolve o principal gargalo.
Qualquer otimização que não seja no gargalo é perda de recursos. Você conseguirá ter belas apresentações, projetos incríveis e projeções promissoras. Mas o produto na rua que é bom, não.
Procure otimizações globais antes de sequer pensar em otimizações locais. Pode parecer bobo, mas fazer exercícios como os "5 porquês" pode ajudar a identificar os gargalos e ajudar você nessa priorização. Ao perguntar "por que" cinco vezes sempre que encontrar um problema, a natureza do problema, assim como sua solução, se torna clara.
Marcell Almeida, CEO e co-fundador da edtech PM3.