Inteligência Artificial no cinema: revolução ou ameaça?

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A ascensão da Inteligência Artificial (IA) no cinema tem sido tão fascinante quanto controversa. Indicado ao Oscar 2025, o musical Emília Perez foi alvo de polêmicas após membros da produção admitirem que utilizaram a tecnologia para afinar o canto da protagonista, Karla Sofía Gascón. Da mesma forma, o filme O Brutalista, que também está na lista de premiação, foi criticado por usar a IA para ajustar o sotaque húngaro de seus atores.
Esse cenário de discussões sobre o uso da tecnologia abre precedentes para questões importantes: como equilibrar autenticidade, originalidade e o futuro da criatividade humana no cinema? Com tantos avanços tecnológicos e facilidades na execução de projetos, os profissionais do setor conseguirão conciliar inovação e arte sem perder a essência que torna o cinema uma forma única de expressão?
É inegável que a IA está impactando de maneira definitiva toda a indústria criativa: cinema, música, design, artes visuais, fotografia e arquitetura. No cinema, sua influência é significativa em toda a cadeia produtiva envolvida na criação de um filme. Enquanto os aspectos mais visíveis e controversos da IA estão associados à pós-produção — como efeitos visuais, áudio e trilhas sonoras — seu impacto se estende a etapas cruciais, como roteirização, edição de vídeo, seleção de elenco e até distribuição. O problema central, nesse contexto, reside na tensão entre aumento da eficiência e perda da autenticidade. Por um lado, a IA pode realizar feitos incríveis, como reduzir consideravelmente o tempo e os custos de produção, além de permitir o que era humanamente impossível, como a criação de novas imagens, vídeos e sons de pessoas que não estão mais vivas.
Um exemplo notável disso é a série The Andy Warhol Diaries, que recriou a voz do artista americano, falecido em 1987, a partir de um modelo de IA treinado com apenas quatro minutos de áudio capturados na década de 70. Através da IA generativa, foi possível criar material inédito com a voz do artista, suficiente para narrar toda a série de seis episódios. O resultado foi fascinante, provando que a visão do cineasta, apoiada pela tecnologia de dados, pode ser realizada com essência e precisão.
Entretanto, os resultados impressionantes da IA também suscitam preocupações sobre a padronização das produções. Algoritmos treinados com dados históricos tendem a replicar fórmulas de sucesso estabelecidas, o que pode resultar em narrativas previsíveis e menos inovadoras, em detrimento de novas ideias e gêneros mais experimentais.
A saída para esse impasse talvez resida na forma como a tecnologia é utilizada – não como substituta, mas como catalisadora de novas formas de expressão, ampliando possibilidades narrativas sem jamais substituir a sensibilidade artística.
Além disso, a transparência é outro ponto essencial nessa discussão. O público deve saber quando e como a tecnologia é empregada na produção. No caso da série sobre Warhol, por exemplo, a recriação da voz do artista é claramente comunicada no início dos episódios, informando que a voz gerada foi criada com a permissão da fundação detentora de sua obra, o que ajudou a manter a confiança do espectador. Essa abertura é crucial para que a IA seja aceita como aliada, e não como ameaça à autenticidade do cinema.
Portanto, é importante destacar que a Inteligência Artificial pode facilitar processos, mas não pode substituir a sensibilidade e a intenção por trás de uma narrativa. É fato que as empresas de tecnologia, certamente, ganharão mais espaço na indústria cinematográfica, especialmente com o desenvolvimento de IA generativa e ferramentas que reduzem custos de produção.
Um exemplo disso é o surgimento de uma nova geração de empresas chamadas "AI Entertainment Studios", que estão ampliando as fronteiras da indústria do entretenimento. Essas empresas têm a IA generativa no coração do seu DNA criativo e dois grandes objetivos: experimentação agressiva e busca por eficiência. Trata-se de empresas menores, dispostas à inovação radical, muito à frente dos grandes estúdios em habilidade com GenAI e capacidade de prototipagem. Elas também utilizam a IA para reduzir drasticamente custos e prazos de produção, acompanhando o ritmo de outros canais de distribuição, como as mídias sociais.
Contudo, é fundamental deixar claro que a essência do cinema sempre foi contar histórias, e para isso, a criatividade humana continua sendo indispensável. No final, não é a ferramenta que determina o sucesso de um filme, mas sim a qualidade da narrativa e sua capacidade de se conectar com o público.
Filmes como Ainda Estou Aqui, também indicado ao Oscar, exemplificam que a tecnologia deve servir à visão artística, e não o contrário. Esta obra mescla técnicas analógicas e digitais, a fim de evocar a atmosfera da década de 1970 — época em que a história real se desenrolou, provando que a criatividade humana continua sendo o coração da sétima arte.
Nessa jornada de transformação, o tempo será sempre o juiz das revoluções tecnológicas. Ainda não compreendemos totalmente as repercussões sociais da IA na indústria criativa. Sabemos que, com o uso intensivo das novas tecnologias, limites são criados e barreiras são derrubadas, visando ampliar e potencializar a criatividade. É fundamental que artistas, críticos, acadêmicos e especialistas em dados discutam os impactos culturais e éticos, explorando como a IA pode amplificar vozes menos representadas em vez de eliminá-las, reforçando assim a função crítica e de conexão da arte. É ela que continuará a nos conectar como seres humanos ao longo da história.
Portanto, é vital acolher o novo, sem perder de vista o valor do passado para inspirar e transformar o futuro. Afinal, a tecnologia pode avançar, mas a essência do cinema — sua capacidade de emocionar, provocar e unir pessoas — permanecerá sempre humana.
Ana Barroso é head de design e Lucas Silveira é designer da A3Data

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