Marketing e compliance: Como transformar essa aliança estratégica para o crescimento sustentável da sua empresa

0

No cenário empresarial moderno, a integração entre estratégias de marketing e práticas de compliance tornou-se essencial para o sucesso sustentável das organizações. Se, por um lado, esse alinhamento assegura a conformidade legal, fortalece a reputação corporativa e promove a confiança junto aos consumidores e investidores, por outro, sua desconexão pode resultar na mácula da imagem corporativa, no declínio de vendas e mesmo do valor de mercado da empresa.

As tendências de mercado – identificadas por meio de sinais sociais, culturais e econômicos-, vem transformando, em velocidade exponencial, o marketing e propaganda, que, há algum tempo, adotaram como veículo principal as redes sociais.

Reconhecida como a atual protagonista do Marketing 5.0, as redes sociais vêm democratizando a comunicação publicitária à medida que permitem a conquista de espaço por novas (ou menos tradicionais) e financeiramente "desfavorecidas" marcas, que veem no marketing de massa a estratégia para impactar o maior número possível de clientes em potencial.

Conhecida como "abordagem shotgun" (na tradução literal para o português "abordagem de espingarda"), o marketing de massa- aplicado em canais de comunicação populares como o Facebook, Instagram e TikTok, adota uma mensagem genérica, que muitas vezes é combinada com a estratégia de "guerrilha", que envolve o público na mensagem transmitida, seja por meio de emoção, criatividade ou humor, gerando uma combinação explosiva e de efeitos que podem ser antagônicos.

Diferente da publicidade comum, o marketing de guerrilha pode despertar a atenção das pessoas de forma inesperada, surpreendente e criativa, inclusive pela provocação de emoções específicas. Essa estratégia, combinada à de massa, foi a adotada pela Jull, fabricante dos emblemáticos cigarros eletrônicos que foi dos bilhões ao fiasco.

A empresa, que chegou a valer US$16 bilhões, mostrou como um design de produto elegante, associado a um marketing influenciador pode ser uma "faca de dois gumes". Os anúncios, divulgados principalmente nas redes sociais e criados com personagens descolados e bonitos, que posavam e dançavam tragando seus cigarros eletrônicos, gerando uma ideia de sofisticação, atraiu milhões de consumidores e investimentos para a empresa, tendo feito da Jull uma das startups de crescimento mais rápido dos Estados Unidos.

Porém, o mesmo marketing que a levou ao ápice a fez declinar: enquanto a comunicação massificada atraiu menores de idade, a abordagem envolvente e criativa das campanhas atraiu a atenção do FDA – Food and DrugAdministration (agência norte-americana correspondente à Anvisa do Brasil), haja vista fazerem parecer que o produto era uma espécie de brinquedo ou acessório de estilo de vida, em vez de um dispositivo prejudicial à saúde.

O colapso da Jull, que chegou a ter seus produtos banidos nos Estados Unidos e assinou, em 2022, um acordo de mais de US$ 480 milhões, para encerrar investigações que questionavam suas campanhas de marketing, ratifica a importância do compliance aplicado ao marketing.

Corrobora também o entendimento, o caso da Bodega Veneta, que teve suas campanhas associadas ao antissemitismo e à pornografia infantil, e optou pela desativação de suas contas nas redes sociais (só no Instagram a marca italiana de luxo contava com 2,5 milhões de seguidores); a  campanha da Aspirina, fabricada pela Bayer,  que foi classificada de machista e sexista, e criticada por (supostamente) tratar a filmagem não consensual de vídeos íntimos e sua divulgação como uma "simples" dor de cabeça; e, a campanha da Skol para o carnaval de 2015, que resultou no repúdio do público feminino e acusações de incitação ao estupro, visto o uso de frases que potencialmente induziam a desconsideração da negativa de uma investida.

Mas não somente frases infelizes ou itens, no mínimo polêmicos, integrados a uma imagem despertam a rejeição pública! A escolha errada do garoto-propaganda também pode resultar em uma "enxurrada" de críticas ou em ondas de boicote nas redes sociais, como observou a Nike na campanha com o jogador de futebol americano Colin Kaepernick, que resultou nos hashtags #BoycottNike e #JustBurnIt – trending topics do Twitter-, com reflexos em suas ações.

Ademais, e sem desconsiderar a força devastadora da opinião pública e como a internet mudou o julgamento coletivo, vale destacar que as "trapalhadas" publicitárias ainda estão sobre a mira de organizações como o CONAR- Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, que fiscaliza a ética da publicidade no Brasil e, nos termos do seu Código, pode, dentre outras coisas, advertir, recomendar alteração ou correção de anúncio.

Tem sido o CONAR que vem advertindo influenciadores digitais por propaganda velada ou mesmo por publicidade testemunhal de medicamentos. No último caso, a liberdade de expressão publicitária, enquadrada genericamente nos artigos 36º a 38º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) (BRASIL, 1990), encontra limites para o "testemunho publicitário" no que diz espeito a medicamentos sujeitos à prescrição médica, haja vista, além das limitações impostas pela própria Anvisa, os riscos que determinados medicamentos representam e a vulnerabilidade ampliada dos consumidores decorrente de eventuais situações de doença.

Como observado (e comprovado), o investimento em campanhas mal planejadas ou, no mínimo, ousadas e/ou controversas, podem resultar em efeitos opostos aos esperados, com o fim de marcas e mancha (muitas vezes irreparáveis) à carreira dos profissionais envolvidos na sua criação e/ou aprovação.

Por essa razão, resta validada a importância do envolvimento de profissionais de compliance desde a concepção da ideia e predefinição da sua estratégia de divulgação à validação das peças publicitárias, a fim de evitar abordagens ambíguas, a adoção de adornos indevidos ou a escolha de personagens polêmicos, garantindo, inclusive, a diversificação do time, para a mitigação dos riscos de vieses inconscientes direcionarem a ação publicitária para uma abordagem que pode vir a ser considerada ofensiva para determinado grupo.

Para mais, mesmo quando adotados mecanismos de verificação das ações publicitárias e estas, ainda assim, não forem aceitas pelo público e/ou forem objeto de advertência pelo CONAR (ou agência reguladora), o compliance terá papel fundamental na preservação e/ou reconstrução da imagem corporativa, confirmando, mais uma vez, seu papel como aliado às áreas de negócio, dentre elas, a de marketing e propaganda.

Gabriela Alves Guimarães, advogada, sócia da FourEthics Consultoria e Outsourced CCO & Advisor da World Post.

Juliana Villaça, advogada e consultora da FourEthics Consultoria.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.