Um paralelo entre os setores de energia e telecomunicações nos permite constatar que o primeiro evoluiu muito pouco em comparação ao segundo, sobretudo no que se refere à forma como as concessionárias se relacionam com os consumidores. Se no mercado de telecom é possível encontrar uma série de planos flexíveis e diferenciados para atender aos diversos perfis de consumo – descontos em chamadas de longa distância, oscilação de tarifas de acordo com o horário, pacotes especiais para transmissão de dados, só para citar alguns exemplos – por outro lado, no setor de energia, o que se tem é, basicamente, a mesma forma de prestação de serviços há pelo menos 20 anos. Para vermos como isso é um fato, basta pensarmos no modo como é feita a medição de uso: um funcionário da companhia tem que ir todo mês de casa em casa coletar os dados de consumo. Também não foram criadas tarifas especiais para desestimular o uso de eletricidade em horários de pico e os consumidores são todos tratados de maneira padronizada.
Essa realidade, no entanto, já começa a mudar, principalmente porque cada vez mais os governos, a iniciativa privada e a sociedade em geral passam a enxergar a importância de buscar novas formas mais racionais e eficientes para o uso da energia, o que fará com que todo o setor evolua.
Nesse contexto, já começam a aparecer, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, iniciativas ligadas às chamadas "redes inteligentes de energia", ou "smart grids". Essa tendência, que também vai chegar ao Brasil em algum momento, é um movimento natural no sentido de se aprimorar as formas de medição de consumo, o relacionamento com o cliente e o monitoramento da rede como um todo, minimizando fraudes e obtendo mais precisão. Isso porque as redes inteligentes são automatizadas com medidores em tempo real.
As vantagens disso são inúmeras, começando pelo combate à ineficiência energética, uma vez que as concessionárias terão mais controle sobre os "caminhos" da eletricidade até a casa do cliente. Além disso, como as smart grids contemplam monitoramento em tempo real, as concessionárias poderão também interferir e tomar providências em relação ao uso de energia, com sinergia, por exemplo, para programar o consumo de eletrodomésticos ou sistemas de calefação/ar-condicionado. Nos EUA já estão sendo feitos testes desse tipo. Com uma comunicação de mão-dupla entre a casa do consumidor e a concessionária, eventuais falhas podem ser detectadas e corrigidas mais rapidamente.
A melhora no sistema de tarifação também será outro benefício extremamente importante que virá com as redes inteligentes. Hoje, o cliente paga um preço fixo pela eletricidade que consome, independente do horário ou de seu perfil de uso. Com as smart grids, as operadoras vão poder se adaptar aos hábitos dos consumidores, criando o incentivo para que economizem no horário de pico, por exemplo, podendo armazenar e depois vender o excesso disponível em momentos de baixa demanda. Na Europa já estão sendo feitas iniciativas nesse sentido.
Todas essas mudanças vão se configurar em um grande desafio para que as concessionárias passem a conhecer mais e mais seus clientes, a fim de oferecer planos e tarifas mais adequados ao perfil de cada um deles. Com medidores em tempo real, as empresas terão dados sobre o consumo diário, informações sobre tensão e corrente, perfil de carga do cliente, etc., e precisarão transformar todos esses números em conhecimento de negócio para prestar serviços cada vez melhores aos clientes.
Quando tudo isso será realidade no Brasil ainda é um pergunta sem resposta exata, mas é certo que essas evoluções chegarão por aqui. A barreira inicial será a troca dos medidores de energia na casa de cada cliente, pois um modelo digital terá que ser introduzido. A infraestrutura de captação dos dados desses novos aparelhos também terá que ser aprimorada. Não será uma tarefa simples, mas não há dúvidas de que o investimento em ações que busquem o desenvolvimento sustentável – e os smart grids se encaixam perfeitamente nesse conceito – terá que ser uma bandeira de qualquer governo, órgãos reguladores e companhias. É esperar para ver. Consumidores e meio-ambiente vão agradecer!
*Roberto Galvão é consultor das áreas de utilities e telecomunicações da Teradata Brasil.
- Roberto Galvão*