Em meados de 2013, viajando pela América do Sul, me deparei com uma solução em smart city que na época era inovadora: bicicletas compartilhadas, sistema hoje amplamente utilizado em muitas cidades do Brasil. A solução permite que qualquer pessoa utilize bicicletas estacionadas em diferentes pontos da cidade. Com seu smartphone, o usuário se cadastra, paga pelo serviço e se desloca de bicicleta feliz e contente até o destino, onde encontrará outro posto credenciado.
Quando vi aquilo achei genial. Entusiasta de tecnologia que sou, não hesitei em experimentar a novidade. Ignorando o fato do dia estar muito quente, decidi ir de bicicleta até o hotel. Eu já tinha notado um posto de bicicletas do mesmo sistema em frente ao hotel e, afinal, seriam apenas sete blocos. Parecia valer a pena a tentativa.
Baixei o app no smartphone, me cadastrei, paguei a taxa básica para o dia inteiro, executei a geolocalização, escolhi a bicicleta, destravei remotamente, arrumei a mochila na cesta da frente, subi na bicicleta e pensei: "Que maravilha!" Em poucos segundos me questionei se haveria um lugar disponível para estacionar a bicicleta quando chegasse ao hotel. Peguei o celular, procurei o posto de bicicletas de destino no mapa e verifiquei que havia oito vagas. Sentindo-me um brilhante e inovador usuário, fui em direção ao meu hotel, passando tranquilamente ao lado dos carros engarrafados e pensando comigo mesmo: "O futuro é maravilhoso! Internet das Coisas! Este é o caminho para interromper o aquecimento global!"
De acordo com a Bíblia, a soberba precede a queda. Calma, não caí da bicicleta, na verdade minha surpresa veio ao constatar que o ponto de bicicletas em frente ao hotel não tinha vaga. Um pouco consternado, e já bem suado, procurei me acalmar e olhar novamente no app do smartphone para me certificar se realmente existiam vagas ou se elas tinham sido preenchidas em tempo recorde e vi que, de fato, ainda estavam lá as oito vagas. Ou seja, a realidade era diferente do que estava sendo mostrado no aplicativo.
Tínhamos ali um possível bug. Meu pensamento imediato foi: "Calma, deve ter um ponto de bicicletas aqui próximo com vagas". E realmente tinha, só que teria que retroceder três blocos. Quando cheguei lá, descobri que não havia nenhuma vaga. Estava confirmada a diferença entre o que era mostrado no app e a disponibilidade de vagas. O incrível então passou pela minha mente relutante: "Vou ter que voltar para o ponto original para me livrar dessa bicicleta antes que também acabem as vagas disponíveis lá".
Voltei ao ponto onde peguei a bicicleta e felizmente consegui devolvê-la. Frustrado, cansado e bem mais suado, peguei um táxi e me juntei aos outros carros no mesmo engarrafamento do qual havia desdenhando há poucos minutos. Dentro do táxi, comecei a relembrar minhas aulas de física mecânica que ensinavam que, quando voltamos ao início de uma trajetória, mesmo que tenhamos percorrido muitos quilômetros, o delta S (deslocamento) será sempre zero.
Essa história real ilustra bem um problema que pode acontecer quando diversas tecnologias são agrupadas em um sistema único. Nesse caso, o problema podia ser no sensor, na conectividade, na operadora, em alguma linha de programação no app, na versão utilizada no meu smartphone ou nos servidores hospedados na nuvem. Outro ponto fundamental nesses projetos é o modelo de arquitetura adotado, que faz uma grande diferença na gestão e controle dos sistemas. Quando analisamos a camada de rede, por exemplo, os protocolos de comunicação devem ser apropriados para o tipo de pacote IP emitido pelos sensores. Em uma comunicação IoT, os sensores possuem pouquíssima informação a ser transmitida, porém, a quantidade de sensores transmitindo pacotes simultaneamente pode ser tão alta que os equipamentos de comunicação precisam ser capazes de processar todos eles, individualmente dotados de cabeçalho distintos, para que a comunicação não fique comprometida.
Atualmente, já existem vários protocolos de comunicação desenhados para a internet das coisas que consomem pouca bateria dos dispositivos remotos e se adequam ao novo padrão de comunicação. É o caso do SIGFOX, LORA, 6LoWPAN e vários outros. Apesar disso, o mercado ainda não bateu o martelo em qual modelo os projetos devem se basear. Como não podemos esperar o mercado convergir para um padrão, vamos conviver com sistemas legados, pois em muitos lugares a infraestrutura básica já está pronta. Saber trabalhar entre o velho e o novo é a chave para um projeto bem-sucedido de IoT. Principalmente se levarmos em consideração que, para o usuário final, não interessa onde está o problema, o importante é o resultado. Ele sofrerá as consequências, como eu sofri, independentemente do motivo do bug.
Existem muitas lições que podemos extrair da história acima, mas quero ressaltar a importância de existir uma entidade – seja uma empresa ou um profissional – orquestradora de todo o projeto de IoT, que seja responsável pela construção, bem como a utilização de uma arquitetura de referência próxima dos padrões atuais, que utilize, na medida do possível, os protocolos mais modernos.
Independente do sistema inteligente ou do sensor, qualquer projeto de IoT dependerá de uma infraestrutura legada de qualidade e de um ente que entenda, com competência, todos os blocos que fazem parte da solução, fim a fim, e que possa dialogar com os vários players envolvidos no projeto. Desta forma, é realmente necessário pensar fora da caixa e trazer soluções que estão fora do escopo da solução principal. O responsável pela implementação do projeto também deve cuidar do sistema ao longo de sua operação, possibilitando assim, ações mais rápidas em caso de problemas, que devido à natureza das diversas interações entre as múltiplas áreas, têm a tendência de serem cada vez mais complexos.
A consideração de uma arquitetura que enxergue o todo é fundamental para o sucesso de qualquer projeto de IoT. Embora a maioria das cidades e indústrias já tenha muitas dessas camadas com processos consolidados, infraestrutura de telecom, energia e monitoramento implementado, a perfeita interação entre elas é a grande novidade e, consequentemente, o grande desafio.
Se você tem uma boa ideia para um projeto de IoT, possui um bom plano de negócios, tem os contatos e a tecnologia certa para a implementação, não se esqueça de nomear um responsável externo ou interno por executar o projeto e convida-lo para se juntar à mesa de planejamento. Afinal de contas, não vai adiantar percorrer um longo caminho focado no desenvolvimento de uma só camada e, no final, descobrir que acabou no mesmo lugar, sendo o ?S=0.
*Érico Barcelos é arquiteto de soluções de IoT Smart Cities da PromonLogicalis.