Os últimos anos foram extremamente férteis no quesito tecnológico para o segmento financeiro no Brasil. A introdução do PIX e as transformações geradas pela pandemia serviram para aumentar o número de empresas no mercado e desenvolver um grande número de aplicações 100% virtuais, como carteiras e contas digitais. Isso tudo mudou o panorama dos consumidores, em especial dos chamados desbancarizados. Mas talvez a transformação mais difícil de explicar seja a que tem a maior capacidade de mudar as estruturas mais tradicionais de tecnologia das entidades bancárias.
Em 2018 o Banco Central do Brasil (BACEN) começou as primeiras discussões sobre o Open Banking. O objetivo era regulamentar e padronizar o processo de transferência e compartilhamento de dados dos clientes (tanto pessoas jurídicas quanto pessoas físicas) entre as instituições financeiras. O Reino Unido tinha acabado de realizar esse processo, em caminho oposto ao dos EUA, país em que esse compartilhamento de dados já acontecia, porém, com cada entidade decidindo tanto os formatos de dados quanto quais deles seriam divididos.
Após ouvir propostas de associações e instituições do setor, o Banco Central definiu as regras principais do processo de implementação em 2020. Ainda em andamento, ele já avançou pelo compartilhamento de dados públicos, das informações dos clientes (como dados transacionais e cadastrais), e na concepção de ofertas de crédito e iniciação de pagamentos. A quarta e última fase, já em execução, inclui dados de outros serviços, como seguros, previdência e investimentos.
O aumento da abrangência acabou por resultar em uma mudança de nome para Open Finance. As fases iniciais ficaram conhecidas como Open Banking, e depois foram adicionadas o Open Insurance e Open Investment. Além de novos segmentos de mercado, esse processo também resulta na participação de empresas e órgãos adicionais, como a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados). Dessa forma, há um novo montante de times que vão pela primeira vez encarar o desafio de digitalizar o seu negócio para conseguir usufruir da avalanche de dados disponíveis pelo sistema Open. Além disso, haverá uma nova dimensão desse desafio para quem já está envolvido desde o começo, no caso das entidades bancárias.
Por não ser tão popular e de adoção direta pelo público final, que deve liberar seus dados para alguma outra finalidade, ou seja, um uso indireto da informação, ao contrário do PIX em que há uma transação com efeitos imediatos, o Open Banking ainda é um grande ponto de interrogação. Afinal de contas, no que ele pode resultar? A verdade é que hoje há um maior apelo aos ganhos gerados em eficiência e automatização em decorrência da padronização das plataformas de dados realizada pelo Banco Central. A agilidade no processo de oferta de crédito para novos clientes, usando os dados compartilhados no mercado, pode ser um elemento de atração de correntistas, por exemplo.
Mas a verdade é que seu impacto pode ir além da esfera dos dados compartilhados via BACEN. Aqueles que usarem o Open Finance como impulso para dinamizar as suas operações de informação vão aumentar a sua competitividade em um cenário de concorrência cada vez mais diversificado.
No entanto, algumas empresas, mesmo as que têm larga experiência no mercado, não pensam desta maneira, já que isso significa ter de mexer no "time que está ganhando". E a escolha de manter estas aplicações legadas, que podem não conversar com tecnologias mais recentes, ou que são desnecessariamente complexas, tem o potencial de levar a um alto custo de manutenção em médio e longo prazo à medida que não são mais atualizadas.
Uma situação mais comum nestas empresas é a de adoção de data lakes para contornar casos mais problemáticos. Assim você garante o acesso aos seus dados independente de onde e como estejam armazenados. Porém, os sistemas legados passarão a oferecer maiores custos de operação com o tempo, enquanto os novos entrantes já terão à sua disposição grande quantidade de dados compartilhados, organizados e gerenciados – contrapondo justamente a antiga vantagem em manter estruturas com maior histórico. Portanto, podemos concluir que usar atalhos tende a não ser sustentável no longo prazo.
Analisamos também que a janela de oportunidade de renovação e otimização do parque tecnológico vem em um momento chave. Isso porque em um mercado aquecido e competitivo, saber usar o melhor de inovações como Open Finance, APIs, back office e multi-cloud é essencial para criar melhores experiências de serviço. Quanto melhor elas forem, mais consumidores poderão ser conquistados.
Samuel Moleiro, CEO Brasil da act digital.