O uso da inteligência artificial é um dos temas mais discutidos na atualidade. Referindo-se à capacidade de sistemas computacionais executarem tarefas que normalmente exigiria inteligência humana, a IA tem sido aplicada de diferentes formas, como no reconhecimento de padrões, em assistentes virtuais, veículos autônomos, na medicina, em sistemas de recomendação, educação, manufatura e robótica, operações financeiras, tradução automática, entre tantas outras demandas.
Não à toa, os gastos com serviços relacionados à inteligência artificial e inteligência artificial generativa no Brasil estão previstos para chegar a R$2,2 bilhões em 2024, segundo apuração da IDC. Considerando o total de investimentos em tecnologia da informação (que envolve software, hardware e serviços), o país segue como referência entre os países considerados emergentes, além de figurar na décima posição do ranking global, tendo aplicado US$50 bilhões em 2023.
Com um campo amplo para investimento, em que a IA evolui e se integra cada vez mais em diferentes aspectos da vida cotidiana e do universo empresarial, essa tecnologia tem sido decisiva, inclusive, no desenvolvimento de startups.
Desafios das startups brasileiras de IA
Segundo dados do Google, o interesse por inteligência artificial tem sido maior no Brasil do que a média global, de modo que 46% dos brasileiros utilizaram essa tecnologia em 2023. Apesar desse interesse, o país ainda enfrenta muitas barreiras na utilização da IA. A falta de acesso à educação tecnológica é, sem dúvidas, um dos principais gargalos enfrentados pelos brasileiros. Como consequência disso, a escassez de profissionais qualificados se torna um tema recorrente entre empresas nacionais.
O controle e privacidade de dados, mesmo sendo um tema sensível em todo o globo, também é motivo de preocupação em território nacional. Para se ter uma ideia, segundo levantamento realizado pela NordVPN, uma das maiores empresas globais de proteção virtual, mais de 2 bilhões de informações confidenciais de brasileiros foram expostas na dark web ao longo do último ano.
Por fim, entre os principais desafios para startups brasileiras de IA, é importante destacar a falta de novos parâmetros que avaliam o avanço da inovação e de capital para investimento em tecnologias disruptivas.
O potencial da IA generativa
Subcampo da inteligência artificial focado na criação de modelos capazes de gerar novos dados que se assemelham aos dados de treinamento, a IA generativa vem se mostrando como grande tendência, capaz de transformar diversos setores de negócios. Estes modelos são projetados para aprender padrões complexos nos dados de entrada e depois gerar novos exemplos que sejam semelhantes em termos de distribuição estatística.
Essa tecnologia, por sua vez, pode ser aplicada em diversas abordagens e técnicas, como modelos de linguagem generativa – como o GPT e seus derivados – que são modelos baseados em transformadores pré-treinados para produzir texto coerente e semântico, podendo ser utilizados para a redação de conteúdo, chatbots e tradução automática; modelos variacionais autoencoders (VAEs), que tentam aprender uma representação probabilística dos dados de entrada e gerar novas amostras a partir desta distribuição, podendo ser aplicados em geração de imagens, recomendação de produtos e análise de anomalias; redes generativas adversariais (GANs), utilizadas para gerar imagens realistas, textos, músicas e até filmes; entre outras aplicações.
O fato é que, o uso da IA generativa é variado e inclui a criação de arte, geração de texto criativo, síntese de voz natural, design de produtos, entre outros.
O desafio da aplicação de IA em novos produtos e serviços
A adoção dessa tecnologia, no entanto, ainda é um desafio para boa parte das startups brasileiras, especialmente quando levamos em consideração a falta de clareza sobre como medir os resultados do uso da IA generativa.
A IA generativa, apesar de suas enormes potencialidades, enfrenta vários desafios significativos que precisam ser abordados para garantir seu uso ético e seguro por parte dos empreendedores no desenvolvimento de seus produtos e serviços. Entre esses desafios, vale destacar a possibilidade de vieses nos dados de treinamento, uma vez que modelos de IA generativa são treinados em grandes volumes de dados, e se esses dados contêm vieses, os modelos tendem a reproduzi-los. Dentre os efeitos, é possível ter a geração de conteúdo com estereótipos, discriminação e preconceitos. Por exemplo, um modelo de linguagem treinado em textos com vieses raciais ou de gênero pode gerar respostas que refletem esses mesmos vieses.
Como desafio é que, empreendedores que utilizam essa tecnologia precisam aplicar técnicas avançadas de curadoria de dados, além de métodos de treinamento que busquem neutralizar tais distorções. Além disso, a geração de conteúdo prejudicial também é um gargalo. A capacidade dos modelos generativos de criar conteúdo novo e realista pode ser mal utilizada para gerar desinformação, deep fakes, spam e outros tipos de conteúdo malicioso.
Além desses casos, a falta de controle e transparência sobre como os modelos funcionam pode gerar incerteza por parte dos desenvolvedores sobre o conteúdo criado e sobre como os modelos estão utilizando a informação acessível. Modelos generativos, especialmente os baseados em técnicas avançadas como GANs e transformadores, podem ser vistos como "caixas pretas". A complexidade destes modelos torna difícil o processo de compreensão do seu funcionamento, sobre como eles tomam decisões ou geram certos tipos de conteúdo. A falta de transparência e explicabilidade pode dificultar a identificação e correção de problemas, a escala da tecnologia, além de reduzir a confiança por parte dos seus usuários.
Um ponto também bastante questionado na indústria e que se torna pauta principalmente para startups que atuam como negócios de impacto é relacionado aos recursos computacionais e à sustentabilidade de suas aplicações. Treinar modelos generativos grandes e complexos pode requerer uma quantidade significativa de recursos computacionais, o que pode ser ambientalmente insustentável e economicamente proibitivo para muitas organizações, além de ir contra a cultura e propósito de startups de impacto socio-ambiental. A busca por modelos mais eficientes e métodos de treinamento sustentáveis é uma área de pesquisa e discussão recorrente.
Por fim, não podemos deixar de destacar que segurança e privacidade se tornam pontos chave na utilização desta tecnologia e que, se mal aplicados, podem colocar em risco não só os usuários, mas também a saúde dos negócios e sua credibilidade. A utilização de dados reais para treinar modelos está constantemente em pauta quando o assunto é privacidade, especialmente se dados sensíveis forem usados sem o devido consentimento. Por isso, a expectativa é que esse mercado seja cada vez mais explorado, fazendo com que essa tecnologia faça parte do nosso dia a dia e transforme diferentes segmentos de mercado nos próximos anos.
Felipe Araújo, Gestor de PGI – Gestão da Informação – no Hub InovAtiva e Analista de Empreendedorismo e Inovação na Fundação CERTI.