Ajustes finos

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Bendito trânsito de São Paulo! Bendito, mesmo. Como surgiriam as boas reflexões, sem ele? Em um desses dias “normais”, dirigindo rumo à empresa a nove quilômetros por hora, na média diária do trecho, percebi algo importante neste momento da minha vida. Havia chegado aos ajustes finos.
Tudo começou com o rádio. Ele tem ajuste de som medido por pontinhos, que vão de zero a 35. O som estava baixo. Aumentei um pontinho. Ficou alto demais.
Minha reação foi imediata: “Estou ficando um velho ranzinza. Aos 63 anos, nada me agrada, caramba!”
Graças a Deus que o trânsito não acabou ali, e tive bastante tempo para pensar sobre o assunto.
E não era nada disso. Ou pelo menos não só isso. Cheguei aos ajustes finos da vida. Nunca refleti muito, ônus de ser uma pessoa de ação. Ultimamente comecei a observar mais. Pensar mais.
Se o som ficou alto, não foi por ter virado um velho chato. Apenas faltou meio pontinho, o necessário, no momento em que sei exatamente o que quero. Ouvido mais refinado e atento. Assim em tudo. Na escolha do que fazer e principalmente do que não. Das pessoas com quem quero estar, ou não. Dos profissionais a contratar e a despachar para a concorrência. Dos clientes a não ter. Dos parceiros de negócios a não dar mais de cinco minutos de atenção, pois meus valores não batem com os deles.
E, aos poucos, ficar mais seletivo. No início, a parte mais fácil: a não escolha. Saber quem gostaria de ter como companheira, por exemplo. Fumante? Não. Mora longe? Não. Não dirige? Não. É fácil definir o que a gente não quer.
Entrar no campo do querer, aí complica. É preciso maturidade para saber o que se quer, de verdade. Alguns têm este dom. Não pertenço a este grupo de iluminados. Amadureci tarde. Aliás, apenas comecei.
Apesar de tarde, é gratificante saber dizer não na hora certa, e fazer escolhas de forma consciente, livre de dogmas sociais ou travas pessoais, que como trilhos, sempre conduzem aos mesmos erros.
Do pessoal, para o corporativo. Zoom out, zoom in. Sou empresário há mais de quatro décadas. Minha empresa principal hoje tem 26 anos de vida.
Implantação de SAP? Já foi. ADP Systems? Já virou rotina. Avaya? É o esteio operacional de nosso contact center. E assim, dezenas e dezenas de ferramentas, sistemas, processos e procedimentos já estão funcionando razoavelmente bem.
Agora estamos no tal do Kaizen que a Toyota criou e disseminou no mundo corporativo, algo que por sinal não tem fim. Isto envolve ajustes finos com pessoas, exige o uso mais refinado das ferramentas, o desenho mais preciso dos processos, as certificações cada vez mais avançadas, o alinhamento das estratégias com a execução do dia-a-dia e por aí vai.
Neste ínterim reflexivo cheguei à empresa e o volume do som no carro não era mais problema.
Comecei meu dia bem mais consciente e feliz. Eu e minha empresa havíamos chegado aos ajustes finos.

Jimmy Cygler é presidente da Proxis, foi professor do MBA da ESPM durante 13 anos, publicou o livro “Quem Mexeu na Minha Vida”, pela editora Elsevier, articulista da Harvard Business Review e da Exame.

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