Ferramentas de busca que permitem acesso a ações criminais e trabalhistas pela consulta de dados pessoais ferem a LGPD

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Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira,3, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende que a divulgação ampla de informações contidas em ações trabalhistas e criminais na internet, a partir de consulta pelo nome da parte, fere o direito fundamental à proteção de dados. A tese é defendida em ação com repercussão geral na Suprema Corte, cuja decisão deverá ser seguida pelas demais instâncias da Justiça. Na avaliação de Aras, esse tipo de divulgação, obtida a partir de busca na internet pelos dados pessoais dos envolvidos nos processos, contraria a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e pode levar à responsabilização do site, inclusive por dano moral.

O assunto é tratado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1307386, em que o site Escavador pede que o STF fixe uma tese jurídica nacional, com base em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) favorável ao portal. A Corte estadual negou o pedido de indenização feito por cidadão que teve informações sobre uma reclamação trabalhista, por ele ajuizada, divulgada pelas páginas de busca Google e Escavador, a partir da consulta aos seus dados pessoais. O caso foi julgado improcedente pelo TJRS, que considerou lícita a divulgação de processos por sites de conteúdos judiciais que não estejam em segredo de justiça. Trata-se da primeira vez que a parte vencedora na instância de origem recorre ao Supremo para que a decisão tomada a seu favor na esfera estadual seja firmada em âmbito nacional.

Para o PGR, no entanto, o ARE apresentado pelo site Escavador não deve ser provido. Mesmo em se tratando de ações sem segredo de justiça e disponíveis para consulta nos sistemas eletrônicos do Judiciário, segundo Aras, os portais de busca da internet viabilizam um recurso vedado nos sites oficiais dos tribunais, que é a possibilidade de busca utilizando apenas os dados pessoais das partes, tais como nome completo, registro geral de identificação, Cadastro de Pessoa Física, entre outros.

Nos sistemas e portais da Justiça, só é permitida a consulta pública às ações trabalhistas e criminais a partir do número do processo. Isso porque a Resolução 121/2010 do Conselho Nacional de Justiça e a Resolução 139/2014 do Conselho Superior da Justiça Trabalhista impedem o uso de recursos tecnológicos para consulta ampla e irrestrita desses tipos de processos com base no nome ou em outros dados pessoais das pessoas envolvidas na ação. O objetivo é evitar a formação de "listas sujas" de trabalhadores que processaram empregadores ou qualquer outra forma de discriminação.

Segundo Aras, a ampla divulgação de informações processuais dessa natureza pelos sites de busca viola a LGPD e pode gerar, no caso concreto, dano ao seu titular. Além disso, contraria os direitos fundamentais à privacidade, à intimidade e à proteção de dados, em prejuízo à autodeterminação informativa. Ao defender o desprovimento do ARE, o PGR argumenta que a divulgação de dados pessoais de acesso público por outras pessoas, que não os seus titulares, somente pode ocorrer a partir da "explicitação de propósitos legítimos e específicos que considerem a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram a sua disponibilização", o que não ocorreu no caso concreto.

"O tratamento de dados pessoais de acesso público por parte dos agentes de tratamento, de forma a permitir a publicização ampla e a consulta pelo nome das partes de informações de processos trabalhistas e criminais exorbita a autorização de tratamento de dados pela LGPD, tendo em conta a inexistência de justificação baseada em finalidade legítima e específica em concreto e a violação aos direitos do titular", avalia o procurador-geral. Além disso, ele ressalta que a LGPD prevê a responsabilização civil e administrativa, individual ou coletiva, de quem faz a divulgação irregular dos dados pessoais, em caso de danos decorrentes ao titular das informações pessoais publicadas. Também assegura ao titular dos dados o direito à anonimização, o bloqueio ou a eliminação de informações desnecessárias, excessivas ou que sejam tratadas em desconformidade com a lei.

Tese 

No parecer, o PGR sugere teses a serem fixadas pelo STF no Tema 1141 para serem seguidas pelas demais instâncias do Judiciário em casos similares. Para ele, a Corte deve fixar o entendimento de que o tratamento de dados pessoais de acesso público é condicionado à explicitação de propósitos legítimos e específicos que considerem a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram a sua disponibilização. A transformação desses dados sem a devida fundamentação pode ensejar a responsabilização civil e administrativa do agente de tratamento que publicou as informações, conforme propõe Aras.

O PGR opina, ainda, que, após o titular dos dados requerer a retirada das informações, se a divulgação for mantida sem justificativa amparada pela LGPD, fica presumida a existência de dano moral. Além disso, sugere que a tese a ser fixada considere a publicização ampla e a consulta de informações em processos trabalhistas e criminais pelo nome das partes como violações aos direitos fundamentais à privacidade, à intimidade e à proteção de dados.

Recurso da parte vencedora

Sobre o fato do site Escavador, que venceu o processo na primeira e na segunda instância, ter recorrido da decisão, o STF considerou que, a partir do momento em que o Recurso Extraordinário (RE) se mostra o caminho adequado para permitir a análise definitiva da matéria pelo Supremo, é possível que a parte vencedora também ajuíze o RE. No parecer, Aras concorda com esse posicionamento.

Nesse aspecto, o PGR sugere que a tese seja no sentido de admitir esse tipo de recurso desde que seja apresentado em casos repetitivos, fique demonstrada a existência de divergência jurisprudencial sobre tese já fixada a respeito do tema e que o assunto ultrapasse o interesse das partes, tendo relevância econômica, política, social e jurídica.

Opinião

"Este tema nos remete a uma "briga de gigantes", ou seja, Proteção dos Dados Pessoais VS Princípio da Publicidade, ambos protegidos constitucionalmente. Contudo, julgo que, havendo dados sensíveis, privados e íntimos de uma pessoa, mesmo que não exista a decretação de segredo de Justiça, a regra que diz respeito à publicidade deve ser mitigada em prol da proteção autônoma e fundamental dos dados da parte, devendo ser assegurado o sigilo dos dados pessoais sensíveis, ainda que o ato processual seja público", diz  Antonielle Freitas, DPO (Data Protection Officer) do escritório Viseu Advogados e membro da ANPPD – Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados.

"No parecer, o PGR sugere que o tratamento de dados pessoais de acesso público é condicionado aos "propósitos legítimos e específicos que considerem a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram a sua disponibilização", porém devemos levar em consideração que os dados podem ainda ser tratados com o devido Consentimento, Cumprimento de obrigação legal ou regulatória, Execução de políticas públicas, Exercício regular de direitos, Legítimo interesse, dentre outros, desta forma, cabe uma avaliação mais profunda se estas ferramentas de busca de fato deixam de cumprir com as respectivas bases legais ou se fora apenas presumido que não há fazem. Existem casos e casos e a situação deve ser analisada não de forma abstrata e geral, porém pontual a cada tipo de ferramenta, como por exemplo, as que permitem uma busca limitada e individualizada, pautada no legitimo interesse para possibilitar o cumprimento de obrigação legal ou regulatória, tais como o exercício da advocacia, mas concordo que o uso indiscriminado deve ser coibido", enftiza Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados e membro do GT de Compliance do CNJ e do Comitê de Integridade do Poder Judiciário (CINT).

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