Em 01 de julho de 2024, a Diretora Miriam Wimmer do Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proferiu o Voto nº 11/2024/DIR-MW/CD, uma medida preventiva que determina a suspensão imediata, pela Meta Platforms Inc. (Facebook), da aplicação de sua nova política de privacidade no Brasil.
Esta política, que entrou em vigor em 26 de junho de 2024, permite a coleta e uso de dados de usuários e não usuários para o treinamento de sistemas de Inteligência Artificial (IA) generativa.
O voto, a ser apreciado pelo Conselho Diretor da ANPD em caráter de urgência, fundamenta-se na identificação de potenciais violações à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e na existência de risco iminente de danos graves e irreparáveis aos titulares de dados.
Segundo Wimmer, a utilização da base legal do legítimo interesse pela Meta para justificar a coleta massiva de dados para treinamento de IA é questionável, especialmente pela potencial coleta de dados sensíveis, o que a LGPD não permite. Adicionalmente, a ANPD argumenta que a coleta indiscriminada de dados, mesmo aqueles publicamente disponíveis, viola os princípios da finalidade e da necessidade.
Além disso, a falta de clareza e especificidade na comunicação da mudança da política de privacidade pela Meta é apontada como uma falha grave. A ANPD considera que os titulares não foram informados de forma adequada sobre a nova finalidade de tratamento de seus dados.
Ainda, a diretora da ANPD critica a dificuldade imposta pela Meta para o exercício do direito de oposição à coleta de dados para fins de IA. A complexidade do processo, que exige múltiplos cliques e navegação confusa em menus, é considerada um obstáculo ao exercício deste direito.
Por fim, o voto destaca a ausência de salvaguardas específicas para a coleta e tratamento de dados de crianças e adolescentes, grupo que goza de proteção especial da LGPD. A falta de medidas claras para garantir o melhor interesse deste público é apontada como uma grave omissão.
A decisão traz potenciais impactos para a Meta, para os titulares de dados e para o ecossistema digital brasileiro como um todo.
Para a Meta, as implicações são significativas e multifacetadas. A empresa se vê obrigada a suspender a aplicação da nova política de privacidade no Brasil até que a ANPD tome uma decisão final. A penalidade por descumprimento é rigorosa: uma multa diária de R$ 50.000,00.
Adicionalmente, a Meta precisa comprovar, em até cinco dias úteis após a notificação da decisão, que sua política de privacidade está adequada à LGPD. Além das sanções legais, a Meta enfrenta um impacto negativo em sua reputação, com a intensificação da desconfiança pública em relação a suas práticas de tratamento de dados.
Para os titulares de dados, a decisão pode representar uma vitória importante na proteção de suas informações pessoais. Seus dados são resguardados contra coleta e uso indiscriminado para treinamento de IA, garantindo maior transparência e controle sobre como são utilizados. A decisão também reforça a proteção de dados de crianças e adolescentes, um grupo particularmente vulnerável nesse contexto.
É preciso reconhecer, contudo, que existe um grupo crescente de entusiastas da IA Generativa que, em nome do avanço tecnológico, se posiciona favoravelmente ao uso extensivo de dados, mesmo que em detrimento à privacidade. Para esses, os benefícios da IA, como a criação de novas tecnologias e soluções inovadoras, superam os riscos potenciais à privacidade. A decisão da ANPD, portanto, coloca em evidência esse dilema entre privacidade e desenvolvimento tecnológico, uma discussão complexa e que certamente continuará a gerar debates acalorados.
Ainda, a decisão a ser proferida pela ANPD, com base no voto de Miriam Wimmer, é de extrema relevância, visto que transcende o caso específico da Meta e impacta o ecossistema digital brasileiro como um todo.
A mensagem é clara: a proteção de dados é um pilar fundamental no desenvolvimento e aplicação de IA no país. Essa postura firme serve como incentivo para que outras empresas que atuam com IA no Brasil se adequem às normas da LGPD, contribuindo para o fortalecimento da cultura de proteção de dados em todo o território nacional.
A decisão final da ANPD sobre o caso ainda está pendente, mas o voto da Diretora Miriam Wimmer já sinaliza a postura firme da Autoridade em relação à proteção de dados no Brasil, especialmente em um contexto de crescente utilização de IA. Acompanhar o desenrolar deste caso será crucial para compreender o futuro da regulação de IA no país.
Isadora Coimbra Diniz, advogada especialista da área de compliance do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.