A Inteligência Artificial e o novo tabuleiro geopolítico

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A inteligência artificial deixou de ser apenas um avanço tecnológico para se tornar um vetor de poder global. Quem controlar a IA não dominará apenas mercados, mas narrativas, soberanias e até mesmo o destino de nações inteiras. A ascensão da China nesse cenário, com o modelo DeepSeek, acendeu um alerta vermelho nos centros de decisão ocidentais sobre a corrida pela supremacia tecnológica, que está mais aberta e imprevisível do que se imaginava.

DeepSeek não é só um modelo avançado, mas um manifesto geopolítico. Produzido sem os chips mais poderosos da Nvidia, considerados cruciais para os sistemas de IA mais sofisticados, o modelo prova que a barreira tecnológica imposta pelo ocidente à China pode estar desmoronando. Marc Andreessen, uma das vozes mais influentes do Vale do Silício, comparou esse evento ao momento Sputnik dos anos 50, quando os EUA perceberam, com choque e urgência, que a União Soviética havia ultrapassado a fronteira espacial primeiro. Mas há uma diferença crucial: a China já está profundamente interligada à economia global. Sua ascensão na IA não é um evento isolado, mas parte de uma mudança sistêmica.

O jogo de poder está mudando?

Nos últimos anos, a crença predominante no ocidente era que o controle sobre semicondutores definiria os limites do avanço chinês em IA. Mas DeepSeek sugere que a combinação de open-source com engenharia eficiente pode minimizar essa dependência. Se isso se confirmar, a hegemonia americana na tecnologia pode não ser tão inquestionável quanto parecia.

Eric Schmidt, ex-CEO do Google, alerta que a competição entre EUA e China por supremacia em conhecimento e tecnologia será um dos principais conflitos geopolíticos das próximas décadas. Ele destaca que os EUA ainda possuem uma vantagem de aproximadamente 10 anos na tecnologia de chips, graças às restrições de exportação e políticas estratégicas. Será? Talvez esse jogo possa virar caso a China consiga se sustentar com eficiência em IA sem depender dos chips mais avançados do ocidente. Para Schmidt, a evolução desse cenário determinará o novo equilíbrio de poder global.

Isso vai muito além da indústria do software. IA é um multiplicador de força para setores como defesa, biotecnologia e energia. Como Putin alertou em 2017, "quem liderar a IA se tornará o governante do mundo". E talvez ele tenha razão. No século passado, a corrida nuclear definiu blocos de poder. Hoje, a corrida da IA pode estar redefinindo essas fronteiras.

Diante do avanço chinês, os EUA têm dois caminhos: acelerar investimentos massivos em IA, como no projeto Stargate, que já aloca US$500 bilhões para manter a liderança americana, ou dobrar as restrições contra a tecnologia chinesa. O problema? A estratégia de contenção pode não ser o suficiente. DeepSeek mostra que o acesso a modelos open-source e a capacidade de engenharia podem ser suficientes para reduzir a dependência de chips de ponta.

Essa corrida não se resumirá a dois blocos…

Além da disputa EUA-China, um terceiro eixo pode surgir, que são os países que buscam autonomia tecnológica sem se alinhar a nenhum dos lados. O mundo poderá se fragmentar em três esferas distintas. De um lado, os aliados dos EUA, que adotam infraestrutura e padrões tecnológicos ocidentais. Do outro, um bloco formado por China, Rússia, Irã e Coreia do Norte, unidos por interesses estratégicos e restrições do ocidente. Enquanto a China busca independência em chips e a Rússia estreita laços com Pequim, Irã e Coreia do Norte operam em tecnologia bélica. No meio, um grupo intermediário aposta na IA open-source para reduzir dependências e explorar novas alianças.

Pat Gelsinger, ex-CEO da Intel, destaca três lições fundamentais que DeepSeek nos relembra sobre a história da computação:

  1. Computação segue a lei dos gases: quanto mais barata, mais ela se expande, ampliando a adoção da IA em escala massiva.
  2. Engenharia é sobre restrições. Os engenheiros chineses tiveram recursos limitados e precisaram encontrar soluções criativas. Eu concordo e essa lição ressoa profundamente, pois limitação gera inovação. A escassez força a criatividade e acelera avanços inesperados, o que pode redefinir o jogo da IA globalmente.
  3. Open vence. DeepSeek pode ajudar a redefinir um cenário cada vez mais fechado no mundo dos modelos fundamentais de IA.

Olhando para essa dinâmica, a visão do professor de História e autor de best-sellers como "Sapiens: Uma breve história da humanidade", Yuval Harari, sobre tecnologia e poder ressoa: "Aqueles que dominam a inteligência artificial terão não apenas a economia, mas a capacidade de controlar mentes, eleições e até reescrever a própria realidade". A IA já não é apenas uma ferramenta. É um novo campo de batalha onde o que está em jogo não é só inovação, mas o próprio conceito de soberania no século XXI.

Samir Ramos, CEO do smarters.

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