A qualificação profissional como aliada do avanço da IA no Brasil

No último mês de abril, a Universidade de Stanford, sediada no estado norte-americano da Califórnia, divulgou a mais recente edição do "AI Index Report", seu tradicional relatório de dados sobre o uso da inteligência artificial. Conhecido por antecipar algumas das principais tendências e caminhos que essa tecnologia deve percorrer nos próximos anos, o relatório revelou que o Brasil é o país latino-americano mais otimista e entusiasmado com o avanço da IA, na contramão de boa parte das expectativas globais.

Análises comparativas entre a percepção nacional e a média mundial sobre os impactos da inteligência artificial revelam uma tendência de maior confiança e otimismo entre os brasileiros. Eles se mostram mais receptivos e empolgados com o potencial dessa tecnologia para impulsionar áreas-chave, como a economia (51%) e o mercado de trabalho local (49%).

Ainda de acordo com o relatório, há uma diferença significativa registrada no Brasil em relação à crença da população nas capacidades da IA para reduzir o tempo gasto com tarefas rotineiras (67%), melhorar as opções de entretenimento (64%) e beneficiar a saúde (55%). Esses percentuais são muito superiores aos de países como os próprios Estados Unidos, onde apenas 23% dos entrevistados acreditam que a tecnologia possa favorecer a economia e 21% o mercado de trabalho.

Além desse otimismo observado no Brasil, há também um crescimento na confiança da população em seu próprio conhecimento a respeito da inteligência artificial. Entre os anos de 2022 e 2023, a pesquisa registrou uma alta de 5% no número de brasileiros que afirmam ter um bom entendimento do que é IA. O percentual surpreende na comparação com outros países latino-americanos, como Chile e Peru, onde, ao invés de avanços, foram registrados recuos dessa taxa, na ordem de 6% e 2%, respectivamente.

Esse cenário de positividade e empolgação em relação à IA, traçado para o país pelo relatório da Universidade de Stanford, foi endossado por um levantamento local realizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que apontou um aumento de 246% no número de matriculados em cursos de aperfeiçoamento, extensão, técnico, graduação ou pós-graduação na área de inteligência artificial, entre 2021 e 2022. Ainda segundo o SENAI, só entre os meses de janeiro e outubro de 2023, o número de estudantes dessa tecnologia já era quase 24% superior ao registrado ao longo de todo ano de 2022.

O crescimento exponencial da busca por profissionalização em IA se justifica não apenas pelos fatores destacados no estudo norte-americano, mas também pelo aumento da demanda de mercado. De acordo com o Observatório Nacional da Indústria, ligado à Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil precisará qualificar 9,6 milhões de pessoas em ocupações industriais até o ano que vem, caso queira acompanhar o atual ritmo de avanço da inteligência artificial.

Só no setor de tecnologia da informação – que é apenas uma das áreas beneficiadas pela IA –, a projeção do Observatório da CNI é de que sejam criadas mais de 470 mil vagas para profissionalização no país, sendo cerca de 76 mil para formação inicial e 397 mil para formação continuada, direcionadas a profissionais que necessitam de atualização.

Com essa conjuntura em vista, é preciso que as empresas adaptem suas estratégias de negócios o mais rápido possível, a fim de investir na qualificação de sua força de trabalho. Isso porque a escassez de profissionais capacitados para lidar com a inteligência artificial não só pode gerar aumento de custos, atrasos na elaboração e entrega de projetos e, consequentemente, redução da competitividade da organização, como também já é vista como uma das principais barreiras à implementação de tecnologias digitais avançadas na indústria brasileira, conforme apontaram 54,6% das companhias ouvidas pelo IBGE, na Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) semestral.

Cabe, portanto, às empresas adotar uma postura proativa frente a esse cenário desafiador. Seja a partir de parcerias firmadas com universidades e instituições de ensino com expertise no tema ou, ainda, por meio da promoção de treinamentos internos, ministrados por instrutores especializados da casa, capazes de transmitir para os demais profissionais, de diferentes áreas da companhia, os conhecimentos necessários para que estes se familiarizem com a inteligência artificial e suas implicações para o cotidiano de trabalho.

Essa última opção se mostra especialmente vantajosa, uma vez que treinamentos elaborados internamente podem apresentar ideias e soluções surgidas nos próprios corredores da empresa, além de levar em conta contextos e necessidades específicas da cultura organizacional, a partir de uma perspectiva que somente um colaborador poderia oferecer. Além disso, ao serem realizadas em um ambiente coletivo, com uma distribuição por turmas, essas atividades formativas também podem estimular a troca de ideias e a cooperação entre times diversos, fortalecendo a sinergia e a coesão das equipes.

Em suma, pode-se dizer que o investimento em qualificação profissional contribui tanto para a capacitação técnica dos colaboradores quanto para a manutenção de um clima positivo, que desperta nos profissionais a percepção de que a empresa não se restringe ao papel de mera empregadora, uma vez que aposta no talento e contribui para evolução do seu capital humano. Dessa forma, cria-se o ambiente ideal não só para preservar a competitividade da organização em termos de negócios, mas também para fomentar sua inovação e protagonismo, em meio ao atual cenário de constante transformação propiciado pelo rápido avanço da IA.

Henrique Cordeiro Florido, Diretor de Estratégia, Inovação & IA da Minsait no Brasil.