A China implantou, no final da década de 1970, a política do filho único, que reduziu em cerca de 400 milhões os nascimentos no país em 4 décadas, segundo dados oficiais. Um êxito da política, que reduziu a taxa de natalidade chinesa em 2022 para 6,77 (nascimentos para cada 1.000 habitantes), de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas – abaixo da taxa de reposição da população.
O mesmo fenômeno aconteceu em praticamente todas as nações desenvolvidas pelas mudanças da sociedade no período, de forma independente de políticas públicas. As mudanças culturais e econômicas, como a maior valorização do trabalho feminino e os aumentos dos custos de moradia, saúde e educação, têm provocado a redução do tamanho das famílias.
De um lado, essas mudanças demográficas ameaçam os sistemas previdenciários com aumentos de déficits projetados (o caso da Europa Ocidental) ou redução das pensões futuras (o caso do Japão). De outro lado, a redução da população economicamente ativa (PEA) pode levar a reduções na capacidade de trabalho e, consequentemente, da oferta de bens e serviços. Menos crescimento econômico ou mesmo taxas negativas.
A solução é embarcar mais tecnologia nos processos produtivos e na gestão pública, incluindo a definição de políticas públicas, que devem convergir para a nova realidade demográfica. Mais eficiência no gasto público, mais estímulos à poupança e, principalmente, mais produtividade na economia.
No Japão, de forma estrutural, e na Europa setorialmente, já se sente falta de mão de obra especializada nas áreas de tecnologia e saúde e não especializada nas operações logísticas e na agricultura. É evidente que os clamores pela "invasão dos imigrantes" é uma questão política e não de desemprego para os locais em praticamente todos os casos. Como, aliás, Angela Merkel, premier da Alemanha, já pregava há dez anos.
As mais recentes feiras internacionais de inovação voltados ao food service, área em que atuo profissionalmente, mostram diversas soluções para o setor à base de automação e IA, sendo mais relevantes aquelas que usam automação no preparo dos alimentos. Principalmente no Japão, isto se tornou uma necessidade pela falta de mão de obra, e assim a tecnologia seria a ferramenta para suprir a deficiência demográfica.
O exemplo do setor de alimentação vale para virtualmente todas as áreas da economia moderna, e com a GenIA (inteligência artificial regenerativa) sai da logística e da indústria para as áreas de serviços, de pesquisa científica, de atendimento ao cliente e de publicidade/ marketing, entre tantas outras.
Nos países desenvolvidos a incorporação de tecnologia irá suprir o déficit de trabalho e não provocar desemprego e será ferramenta para o crescimento econômico e a redução de desigualdades, minimizando os problemas causados pelo novo quadro demográfico.
E o Brasil? Aqui, enfrentamos um quadro muito mais complexo e negativo. De um lado, temos milhões de pessoas desempregadas ou trabalhando informalmente e dependendo de transferências de renda dos governos. De outro, enfrentamos escassez de mão de obra e não apenas para áreas mais complexas, como tecnologia e ciências da saúde. Também faltam candidatos para trabalhar em serviços de alimentação, técnicos de nível médio, operários para o chão de fábrica e motoristas.
A razão para este quadro que seria estranho em muitos países está na formação das pessoas. As oportunidades para uma educação de qualidade são tão concentradas quanto a renda e vivemos, empresários, de fornecer aos nossos colaboradores aquilo que o Estado não entrega, educação de qualidade – e eventualmente até uma formação básica – treinamento profissional e estímulo ao crescimento.
As novas tecnologias estão chegando e as nossas deficiências não serão empecilho para a sua adoção pelos agentes econômicos. E se não enfrentarmos o desastre que hoje é a nossa educação, o Brasil tecnológico será ainda mais injusto do que o Brasil de hoje. Aqui, não será a tecnologia que irá gerar desemprego.
Cláudio Miccieli, diretor de gestão do Giraffas.