O crescimento vertiginoso da inteligência artificial (IA) na última década trouxe consigo uma série de benefícios para diversas áreas, desde a automação de processos industriais até a personalização de serviços digitais. No entanto, junto com esses avanços, emerge um questionamento ético fundamental: até que ponto estamos preparados para lidar com o impacto social, moral e econômico dessas tecnologias?
O uso disseminado de IA, muitas vezes invisível no cotidiano, levanta discussões sobre o limite entre o que é benéfico e o que pode ser prejudicial, especialmente quando seus efeitos sobre a vida humana se tornam cada vez mais profundos e imensuráveis. É indiscutível que a IA pode trazer inúmeras vantagens, como praticidade, velocidade e qualidade dos serviços, mas isso não a isenta de esbarrar em questões éticas, morais e sociais, que podem oferecer inúmeros riscos em caso de uso inconsequente ou para fins escusos.
Isso nos faz constatar que, no cenário atual, mais do que nunca é imprescindível desenvolver sistemas de forma consciente, contemplando não apenas a eficiência e o desempenho, mas também as implicações éticas e sociais dessas ferramentas.
A ética é uma área responsável por compreender assuntos que envolvem a moral, as condutas ideais dos humanos e os valores e princípios que movem as ações das pessoas. Aplicada à inteligência artificial, a ética abarca princípios e diretrizes que devem ser seguidos pela sociedade e por profissionais da tecnologia ao projetar, desenvolver e implementar esses sistemas. É crucial que esses princípios sejam considerados para garantir que a IA beneficie a sociedade de maneira justa e equânime
Como a IA impacta diretamente a vida das pessoas, é importante pensá-la e compreendê-la sob as diferentes perspectivas que compõem a sociedade. Por isso, é fundamental saber usar essa tecnologia, considerando seus possíveis efeitos e consequências.
Organizações científicas como a Association for the Advancement of Artificial Intelligence (AAAI), a Association for Computing Machinery (ACM), a Royal Society e o Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), têm organizado workshops, conferências e grupos de trabalho para discutir as implicações éticas da IA. Já o Massachusetts Institute of Technology (MIT) desenvolveu o estudo "Moral Machine", no qual diversas decisões automatizadas são colocadas sob diversas óticas culturais e discussões mais amplas. Iniciativas como essas são centrais para a conscientização sobre a necessidade de práticas responsáveis no desenvolvimento e aplicação dessas tecnologias.
Os avanços recentes na IA generativa, exemplificados por tecnologias como o ChatGPT, da OpenAI, e o LLaMA, da Meta, aumentam ainda mais os desafios de construir sistemas de IA confiáveis e éticos. Os modelos fundamentais que suportam esses sistemas são frequentemente descritos como "caixas-pretas" devido à ausência de explicabilidade ou interpretabilidade — ou seja, eles não apresentam um modelo semântico formal que explique seu funcionamento.
A tomada de decisões éticas na aplicação da IA é essencial para evitar discriminações, proteger a privacidade dos indivíduos e garantir segurança e transparência em seu uso. A sociedade precisa estar atenta aos desafios e oportunidades trazidos pela inteligência artificial para garantir que seu potencial seja explorado de maneira benéfica para todos.
Os desafios éticos são muitos e começam pelo problema do viés algorítmico. Sistemas de IA são treinados com base em vastos conjuntos de dados que, por sua vez, podem carregar preconceitos sociais. Quando esses dados contêm viés racial, de gênero ou qualquer outra forma de discriminação, a IA pode reforçar e até ampliar essas desigualdades.
A privacidade também é um aspecto central no uso da IA. Em um mundo cada vez mais digitalizado, a quantidade massiva de dados pessoais processados por essas tecnologias coloca em risco a confidencialidade e pode ser explorada de maneira inadequada por agentes mal-intencionados.
Há ainda outro ponto crítico: a responsabilidade pelas decisões tomadas por sistemas de IA. Em casos de erros ou ações prejudiciais, quem deve ser responsabilizado? Desenvolvedores, fabricantes, usuários ou a própria IA? A complexidade desses sistemas muitas vezes dificulta a rastreabilidade das decisões, tornando o tema ainda mais nebuloso.
Além disso, a IA pode ser usada para espalhar desinformação e manipular opiniões. Ferramentas como deepfakes e algoritmos de recomendação em redes sociais têm o potencial de manipular opiniões e criar bolhas informacionais, distorcendo a percepção da realidade e reforçando crenças preexistentes.
Para mitigar esses riscos, é imperativo que a IA seja inclusiva e equitativa, refletindo a diversidade de perspectivas e evitando discriminações em seus algoritmos. O impacto social e econômico da IA também deve ser cuidadosamente avaliado, visando à diminuição das desigualdades e à maximização dos benefícios para a sociedade como um todo.
Em resumo, a construção de um futuro digital mais justo e ético depende de um diálogo contínuo entre tecnólogos, pesquisadores, governos e comunidades. O potencial da IA é imenso, mas ele só será plenamente realizável se for usado com responsabilidade. É crucial que todos participem desse diálogo, mantendo-se informados e engajados na construção de políticas que garantam o uso ético da tecnologia.
Afinal, a verdadeira inovação não está apenas no avanço tecnológico, mas na capacidade de construir um mundo mais justo e humano, no qual a IA sirva para melhorar a vida das pessoas, sempre com respeito à ética e aos valores sociais vigentes.
Henrique Cordeiro Florido, Diretor de Inovação e IA & Dados da Minsait no Brasil (Indra).