Num mundo em que as relações estão cada vez mais virtuais, a possibilidade de histórias felizes a partir de um match são infinitas, assim como é relevante discutir o uso das tecnologias para o encarceramento. A relevância desse estudo reside na preservação dos corpos vulneráveis e na consolidação dos direitos democráticos, isto porque, a análise do reconhecimento facial e das políticas de segurança pública, a partir do uso da tecnologia, pode promover o encarceramento de corpos negros, dando volume a máquina coercitiva e punitivista do Estado.
Os sistemas de reconhecimento facial que utilizam a Inteligência Artificial estão repetindo o preconceito e racismo existente em nossa sociedade. Um estudo que envolveu a Universidade John Hopkins, o Instituto de Tecnologia da Geórgia, dos Estados Unidos, e a Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, mostrou que os robôs marcaram 10% a mais pessoas negras como criminosas[1]. Reconhece-se, portanto, que discutir tais questões é determinar o direito à existência pública; é discutir Justiça e seletividade.
Ao identificar como o Estado se orienta na tomada de suas decisões, nos processos de implementação do uso de tecnologias na área de segurança pública e nas formas de provisão e composição dos serviços públicos, constata-se uma política de Estado que define quem deve ter liberdade e quem deve ser encarcerada. Para isso, o Estado utiliza o sistema de vigilância para o encarceramento de grupos específicos do sistema de classes, capaz de realizar a efetiva garantia dos direitos fundamentais, livrando aqueles pertencentes a determinados grupos minoritários, o totalitarismo e os arbítrios estatais.
Em que pese às considerações entre democracia, justiça e desigualdade econômica, minimizar a vulnerabilidade dos corpos negros não é apenas reduzir a desigualdade econômica ou aparelhar o Estado, para que os direitos civis e políticos sejam preservados e correlacionados. É salutar que a comissão de juristas do Senado encarregada de elaborar a regulamentação da Inteligência Artificial tenha no horizonte dos debates o quão falha e segredadora pode ser a tecnologia, ao reproduzir padrões de estruturas discriminatórias e racistas[2].
E nesse sentido, parafraseando Beatriz do Nascimento, o grande problema não é social – em que pese a questão da desigualdade econômica ser por vezes fundo de análise da questão criminal – o problema é o status entre os indivíduos, é o não reconhecimento do negro enquanto sujeito de direitos, o que leva ao status de vulnerável. (FILME ORI). Questão que pode ser revista também pela perspectiva constitucional.
Sob a ótica da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), há possível mácula dos direitos e garantias fundamentais inerentes à pessoa humana – tornando-se pressuposto de reflexão no que tange ao projeto de segurança pública, que vem se desenvolvendo em face de corpos vigiados numa engrenagem perfeita do necropoder, escolhendo de forma pontual e organizada, quem deve viver e quem deve morrer.
Camila Lima, advogada e integrante da Comissão de Igualdade Racial da OAB SP
[1] https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2022/06/22/robos-autonomos-podem-ser-racistas-pesquisadores-mostram-que-sim.htm