Na última quinta-feira, 5, o ministro do STF, Dias Toffoli, considerou inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.
O processo está sendo julgado em conjunto com o RE 1057258, relatado pelo ministro Luiz Fux, que apresentará seu voto na próxima quarta-feira (11). Segundo ele, o modelo atual confere imunidade às plataformas. Ele propõe que a responsabilização deverá se basear em outro dispositivo da lei (artigo 21), que prevê a retirada do conteúdo mediante simples notificação.
Nessa segunda-feira, 9, diversas entidades do setor se uniram e emitiram a seguinte manifestação:
O futuro da Internet no Brasil e os valores fundamentais em jogo
As entidades abaixo assinadas reconhecem o importante papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal na democracia brasileira e, historicamente, na preservação de direitos fundamentais, mediando debates que moldam o futuro da sociedade. Diante do julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo STF, as signatárias sugerem que qualquer mudança no modelo atual de responsabilidade por remoção de conteúdos no ambiente digital deve ser cautelosa, preservando direitos fundamentais.
A mudança em relação ao que temos hoje – em que decisões complexas sobre remoção de conteúdo são decididas pelo Judiciário – traz a imposição de responsabilidade objetiva, independentemente de notificação aos provedores, afastando-se da ideia de moderação para obrigar as plataformas a um processo de monitoramento, o que seria uma grave violação a direitos fundamentais. Da mesma forma, os parâmetros propostos para a responsabilização reduziriam a segurança jurídica e aumentariam a judicialização, dificultando ainda mais o funcionamento de diversos setores e podendo gerar um espaço para indústrias de notificação extrajudicial em diferentes campos.
Caso esse modelo prevaleça, o Brasil pode adotar um regime inédito entre democracias consolidadas, com consequências graves para a liberdade de expressão, a inovação, pequenos empreendedores, e a inclusão digital. As discussões em torno do julgamento, em sua maioria, consideram apenas um modelo de negócio e não refletem a diversidade de modelos que existem no Brasil hoje. Por isso, é fundamental refletir sobre como a decisão afeta uma ampla diversidade de serviços que sustentam o dia a dia da sociedade brasileira, como marketplaces, streamings, plataformas de mobilidade, educação e saúde. A mudança impactará igualmente diversas empresas, independentemente do seu porte, até iniciativas comunitárias, prejudicando a pluralidade e a vitalidade da economia brasileira.
O modelo proposto contrasta com práticas internacionais, tornando-se o regime mais restrito entre democracias. Na União Europeia, o Digital Services Act cria obrigações de mitigação de riscos sistêmicos, proporcional ao porte e à natureza dos provedores, e não cria obrigações de monitoramento, preservando a diversidade e a inclusão digital. Na Alemanha, o NetzDG estabelece obrigações específicas para alguns serviços em relação a conteúdos ilícitos, mas mantém uma base de salvaguardas que assegura oporcionalidade e evita judicialização massiva. A proposta brasileira, por sua vez, adota um modelo centralizador, que atribui responsabilidades a todos os provedores de aplicação, ignorando diferenças essenciais de escala, função e impacto.
O que está em jogo não é apenas a regulação de serviços digitais, mas a própria capacidade do Brasil sustentar um ambiente digital livre, diverso e inclusivo. Sem critérios claros e salvaguardas proporcionais, a decisão pode afetar diretamente iniciativas que dependem da internet para florescer — desde pequenos negócios até organizações sociais e culturais, além de levar a remoções preventivas e à censura privada, comprometendo o debate democrático.
Por fim, é essencial reforçar que o Marco Civil da Internet foi concebido como uma política pública de longo prazo, resiliente às conjunturas momentâneas e construída para promover direitos e oportunidades em uma sociedade digital inclusiva. Alterar esse modelo sem ponderar impactos ameaça não apenas o presente, mas também o futuro de uma internet que seja, ao mesmo tempo, livre, segura e acessível para todos.
As entidades signatárias conclamam a sociedade brasileira a refletir sobre os impactos dessa proposta e a se engajar na defesa e na construção de uma regulação que preserve os valores fundamentais que nos trouxeram até aqui. Precisamos de um modelo que equilibre direitos, proteja a diversidade e promova a inclusão, garantindo que o Brasil continue a ser um protagonista na construção de um ambiente digital democrático e inovador.
Entidades Signatárias:
Associação Brasileira das Empresas de Software – ABES
Associação Latino-Americana de Internet – ALAI
Câmara Brasileira da Economia Digital – camara-e.net
Confederação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação –
Assespro
Conselho Digital
Movimento Inovação Digital – MID