A digitalização nos serviços bancários já é uma realidade. Segundo a Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2022, 70% das 119,5 bilhões de transações financeiras do último ano foram feitas pela internet, seja pelo celular ou pelo computador. Muito além das operações de transferências de valores, a evolução tecnológica também se desenvolve nos serviços operacionais e de relacionamento com os clientes, graças aos recursos de automatização e, principalmente, da Inteligência Artificial.
De acordo com estudo global da KPMG, a IA já é moderadamente utilizada em 93% dos casos de produção industrial, seguido por 84% dos serviços financeiros, na frente até do setor de tecnologia, que somou 83%. No caso do mercado financeiro, já são comuns interações por chatbots em diferentes canais de atendimento. Todavia, a utilização de IA ainda não atinge todo seu potencial, seja pela má utilização da tecnologia, ou por falta de conhecimento da mesma. Tal fato se traduz em resultados de projetos que não atingem as expectativas, frustrando clientes e tomadores de decisão.
Dentre os erros ("pecados") de implantação de IA no setor financeiro, destacam-se:
- Falta de empatia (orgulho): é indiscutível a necessidade de se entender o cliente e seu contexto, bem como de gerenciar sua jornada nos vários canais de atendimento. Porém é comum testemunharmos a falta de empatia que se traduz em clientes subestimados, bombardeados por campanhas massivas que em nada se conectam à sua realidade. Em verdade, interações com o consumidor dizem muito sobre como ele é enxergado pela instituição. A IA, quando implementada para facilitar uma jornada centrada, confere a empatia necessária para que o atendimento cumpra bem o seu papel consultivo. Nesse caso, a penitência que cabe às instituições financeiras é colocar a IA a serviço do cliente, otimizando suas jornadas com informações contextuais, com ações e campanhas para pessoas reais. Não há mais espaço para campanhas massificadas. Adentramos a era da individualização do marketing e do atendimento, e é um processo que não tem volta.
- Falta de ética (luxúria): infelizmente, propostas preconceituosas ainda ocorrem. São comuns exemplos como o que segue: para um casal que tem o mesmo salário e as mesmas condições de contexto (endereço, nível escolar etc), o marido recebe uma oferta de crédito melhor que a esposa – um caso típico de viés algorítmico. Com isso, o banco não só deixa de atender bem à cliente, mas abre margem para que a concorrência faça melhores propostas a ela, além de criar para si um problema de imagem de marca (sexismo). A IA é capaz de lidar com esses vieses, mas cabe à instituição dar a devida atenção à etapa de testes, garantindo a isonomia das suas recomendações. Tais testes devem ativamente buscar por vieses associados com características sensíveis, como sexo, idade, raça, origem, entre muitos outros.
- Preguiça: a IA não pode ser tratada como uma caixa preta, nem como a solução para tudo funcionando de forma isolada. Para explorar seu máximo potencial, é necessário buscar profissionais que saibam usá-la, de preferência pessoas qualificadas e com experiência. Depois, testar sua aplicação em pequenas partes, em diferentes cenários e ter certeza de que ela indica as melhores práticas. Caso contrário, a ferramenta não vai entregar tudo que pode e a preguiça vai emperrar o desenvolvimento. Pior do que não saber a informação, é interpretá-la incorretamente, ou não saber usá-la. A penitência aqui é incorporar as práticas necessárias, antes de querer que o resultado perfeito caia do céu.
- Focar nos objetivos de curto prazo (ganância): é necessário ter paciência e implantar processos e interações considerando o perfil da empresa e o histórico do cliente. Um erro muito comum é contratar a IA e querer otimização imediata, que certamente não trará os resultados desejados. É necessário ter objetivos de longo prazo e revisitá-los com o tempo.
- Gula: "se a IA não automatiza tudo, não serve". Esse erro não pode mais acontecer. Se a empresa não está madura ainda para entregar a interação com o cliente à IA, é essencial desenvolver a ferramenta, trazer as áreas envolvidas e evoluir a solução tecnológica. Uma alternativa à automação completa de um processo é a extensão da inteligência do atendimento; em outras palavras, ao invés do sistema tomar a decisão sozinho e realizar a ação subsequente, ele mostra a um operador opções de linhas de ação (geradas por IA) e depois deixa o operador escolher a mais adequada – e aprende com o processo de tomada de decisão feito pelo humano. A implantação da IA também precisa de bom senso, antes de querer colocá-la em funcionamento. A redenção, nesse caso, é se envolver no desenvolvimento, para colher os resultados posteriormente.
- Inveja: copiar o modelo do concorrente, porque deu certo, é o caminho errado. É preciso treinar a equipe que vai se beneficiar da IA, e buscar algo adequado à realidade e ao dado tratado pela instituição, antes de querer copiar o outro. "Para quem só conhece martelo, todo problema é prego" (Abraham Maslow).
- Ira: o problema da coleta eficiente de dados é que eles podem contar o que não se quer ouvir. E, nesse caso, o erro é culpar o mensageiro. A IA traz dados que contam a realidade e apontam para o problema que deve ser resolvido. Então a penitência nesse caso é ter maturidade ao implantar a solução, para enfrentar de olho aberto o problema que pode aparecer, implantar múltiplos pontos de checagem, com visão fim-a-fim. Esses serão os primeiros passos para fazer a IA evoluir o negócio.
A IA é uma ferramenta poderosa que, se aplicada com responsabilidade, pode gerar valor ao cliente e ao negócio, aumentando a eficiência e melhorando o resultado. Ela vai sempre balancear o que o consumidor tem direito, o que é vantajoso para ele, mas que não coloca a instituição em risco. Essa equação é o segredo para retenção e engajamento de clientes.
Kleber Stroeh, VP de product mining na Pegasystems.