Na última semana, pipocaram posts nas redes sociais de várias empresas brasileiras e mundiais sobre a questão do trabalho remoto, talvez estimulados por declarações do antigo executivo de RH do Google, feitas à imprensa no início de abril, ou pela retomada do trabalho presencial. Uns falando da alegria de rever os colegas pessoalmente depois de mais de dois anos trabalhando no virtual, outros divulgando pesquisas internas em suas empresas com uma preferência de até 92% dos colaboradores pelo home office.
Quem navega pelas redes sociais ou mesmo pesquisa na internet, em busca de um norte sobre o tema, fica confuso. Até pouco tempo atrás não havia dúvida sobre como o trabalho seria após a pandemia. O híbrido dominava as tendências. Agora, nem tanto.
O Google, uma das mais emblemáticas big techs, anunciou no início do mês a sua política de trabalho híbrido que exige a presença dos colaboradores por três dias na semana. Já Laszlo Bock, ex-vice-presidente sênior da People Operations da organização, diz acreditar que a empresa voltará a exigir o trabalho 100% presencial em breve. Afirma ainda que a geração mais experiente de executivos acha muito difícil liderar virtualmente e também que muitas outras empresas já estejam planejando a volta definitiva dos funcionários aos escritórios. Já a Meta Platforms, dona do Facebook e uma das mais ativas no tema do metaverso, não poderia fazer nada diferente do que permitir o remoto para todos os colaboradores.
Analisando esse cenário, me chama a atenção a confusão dos conceitos. Afinal, o que é trabalho híbrido? Uma boa parte dos executivos das empresas acredita que é mesclar dias de trabalho remoto com dias de trabalho presencial. Essa pode ser uma forma de olhar o assunto, mas híbrido significa, na verdade, um modelo que oferece a flexibilidade de trabalhar de qualquer lugar. Em casa, no escritório, no cliente, em um coworking, enfim, onde seja mais conveniente para ambas as partes, empresa e colaborador.
Esse modelo permite, por exemplo, que empresas com operações distribuídas trabalhem de forma produtiva, como se estivessem em um mesmo lugar. E por distribuída podemos entender organizações muito grandes, com unidades espalhadas por diferentes geografias ou pequenas que utilizam modelo de coworking ou home office para acomodar funcionários espalhados por bairros, cidades ou até países diferentes.
Organizações com essas características já existiam antes da pandemia e já se conversava sobre como agilizar essas operações. E o modelo híbrido de trabalho já se apresentava como solução, inclusive com o desenvolvimento de plataformas tecnológicas que pudessem suportar os requerimentos de comunicação simples, colaboração espontânea e organização do fluxo de trabalho entre equipes não necessariamente no mesmo local físico.
Se por um lado a necessidade, que já era evidente à época, mostrava que o modelo de trabalho híbrido seria realmente a solução para diversas situações de negócio que sempre foram desafiadoras, colocá-la em prática sem uma revisão dos métodos, métricas de recursos humanos e estilos de liderança poderiam trazer problemas que vão da avaliação dos colaboradores até uma paralisia na operação. Diante desse impasse deixá-la na gaveta sempre foi a alternativa mais cômoda. Não necessariamente a mais econômica ou mesmo a melhor para o negócio.
Isso até a pandemia. As restrições de mobilidade e seguidas quarentenas precipitaram as coisas e, ao mesmo tempo que obrigou as empresas a trabalharem de forma remota, o fez sem nenhum preparo, quebrando a cultura empresarial ou tirando seus líderes e áreas de recursos humanos de suas zonas de conforto. Mas foi muito bem recebida pelos funcionários e pelas áreas financeiras das empresas que viam nesse regime uma oportunidade de economizar dinheiro.
A realidade – não o futuro – do trabalho já tem sido híbrida e distribuída há muito tempo, sem que soluções que a tornem justa, mais ágil, mais colaborativa, com mais qualidade de vida e mais leve tenham sido colocadas em pauta. Nem que fosse por motivos econômicos. A crise mudou tudo e nos fez ver as coisas de forma diferente. As antigas questões sobre modelo de gestão, estilo de liderança e outras voltaram para a mesa e a solução precisa ser tirada da gaveta. Talvez seja essa a razão por tantas discussões e polêmicas sendo levantadas com mais profundidade neste momento.
Enio Klein, influenciador e especialista em vendas, experiência do cliente e ambientes colaborativos com foco na melhoria do desempenho das empresas a partir do trabalho em equipe e colaboração. CEo da Doxa Advisers e professor de Pós-Graduação.