O grande desafio da internet hoje é conciliar a liberdade característica da rede com a segurança. Esta é a opinião unânime dos debatedores, que participaram da audiência pública na Comissão Especial dos Centros de Inclusão Digital da Câmara dos Deputados, na terça-feira, 11, na qual foi debatida a necessidade e a viabilidade da exigência do cadastramento dos usuários nos centros públicos de acesso à internet (lan houses).
O procurador da República em São Paulo, Luiz Fernando Costa, acredita que a solução seria arquivar dados pessoais dos internautas e informações técnicas de conexão em arquivo diferentes. O cruzamento das duas bases deve ocorrer apenas com autorização judicial. "Do contrário, argumenta, a vida da pessoa é completamente devassável, acaba a privacidade para usuários de lan houses."
Costa defendeu ainda que a comissão das lan houses trate apenas do cadastramento civil dos usuários. Para ele, a parte referente a armazenamento dos dados de conexão e as condições de acesso às informações devem ser abordadas no "marco civil" da internet, projeto de lei em elaboração pelo Ministério da Justiça.
De acordo com a delegada titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio de Janeiro, Helen Sardenberg, a maior dificuldade da polícia nos crimes digitais é a falta de informação. Na opinião dela, a cadastramento dos usuários de lan houses poderá minimizar o problema, embora reconheça que o índice de crimes nesses locais seja baixo. "Tudo que é necessário à investigação pode constar ali, o nome do internauta, o horário e a data do acesso", sustentou.
Identificação x liberdade
Opinião divergente no encontro, o professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC e integrante da Casa da Cultura Digital, é radicalmente contra a adoção do cadastramento obrigatório. "Exigir a vinculação de um terminal de internet a um usuário significa o fim do anonimato, o que é quase igual à prisão de segurança máxima", sustentou.
Conforme o especialista, o controle do tráfego na internet viola o princípio da liberdade. "Se começar com cadastro, não tem como fazer rede aberta no Brasil, porque não há como exigir cadastro em um lugar e não em outro, como em casa, nas escolas ou nas redes sem fio. E, se adotarmos essa medida, vamos implantar a sociedade do controle total", argumentou.
O chefe de Gabinete da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Guilherme Alberto Almeida de Almeida, também advoga que a regulamentação das lan houses deve prever a liberdade como regra, e o controle apenas como exceção. Para ele, uma legislação que "se paute pelo incentivo negativo, a punição, além de ineficaz é socialmente injusta".
Ele lembrou que nas classe C e D os centros públicos pagos respondem por 64% dos acesso à internet. Com a adoção de controles rígidos sobre o acesso nesses locais, apenas essa população mais pobre ficaria submetida a vigilância mais severa por parte do Estado. Almeida, no entanto, não é contrário à adoção de algumas formas de controle. "Existir algum registro de conexão e de acesso é positivo, mas quanto maior o detalhamento, maior a invasão da privacidade", ponderou. Exatamente por isso, Costa ressaltou que um dos aspectos importantes que devem ser previstos na lei é a definição do que são dados de conexão para, a partir daí, definir o que deve ser preservado.
Para o presidente da Safernet, Thiago Tavares Nunes de Oliveira, "é importante que, ao fim do debate, as lan houses, por causa de suas dificuldades, não resultem como espaço de ausência da lei, onde os crimes praticados não sejam punidos". No entanto, o especialista considerou que o Brasil já conta com arcabouço punitivo bastante bem estruturado. O foco da nova lei, portanto, deve ser a prevenção. "O tratamento repressivo adotado até agora pelo Estado brasileiro para evitar crimes virtuais já provou não ser suficiente", afirmou.
Ele ressaltou, como exemplo, que, somente entre julho de 2008 e fevereiro de 2010, após a adoção de um acordo entre o site de relacionamentos Orkut e o Senado para combater crimes sexuais contra crianças e adolescentes, foram consumados 14 mil desses delitos. "Isso corresponde a uma média de quase um crime por hora", ressaltou. As informações são da Agência Câmara.
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