Especialistas e parlamentares criticaram, nesta quinta-feira, 13, na Câmara dos Deputados o projeto de lei 84/99, que define condutas criminosas na internet. Eles consideram que a proposta pode restringir a liberdade dos usuários das redes digitais. Participantes da audiência pública das comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado ressaltaram que a redação da proposta, já aprovada pelo Senado, vai dar margem a uma interpretação da lei que proibirá condutas corriqueiras dos internautas como, por exemplo, a transferência de músicas de um CD para o Ipod, somente para uso pessoal.
O projeto define crimes como o roubo de senha pessoal, a difusão de vírus e o acesso não-autorizado a qualquer tipo de informação por meio da internet. O professor Sérgio Amadeu da Silveira, da Faculdade Cásper Líbero, disse que os termos gerais e amplos do projeto vão acabar com as redes abertas, como é o caso de conexões sem fio abertas e até mesmo as chamadas cidades digitais. "Ele cria uma série de dispositivos que bloqueiam as redes abertas, criminaliza condutas que são corriqueiras na internet e remete a regulamentos obscuros. Não se sabe o que vai acontecer." O professor acrescenta que o projeto cria insegurança jurídica e dificulta a manutenção de projetos de inclusão digital em curso.
Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), três aspectos são inadmissíveis no projeto: a violação dos dispositivos de segurança; o alto controle sobre a internet; e os dispositivos penais como estão redigidos. O deputado destacou que esses pontos precisam de ajustes. "O projeto pretende diminuir a utilização da rede e aumentar os controles, mas acaba fazendo com que a internet, que é o lugar da democracia, seja restringida por alguns mecanismos."
Na opinião do professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas Thiago Bottino, a redação dos artigos que prevêem a tipificação dos crimes cibernéticos está muito ampla e geral. "Inclui comportamentos que não são o objetivo da lei, porque não constituem crimes." Ele também considera que pode gerar insegurança jurídica, "pois prevê uma série de condutas que não poderão ser punidas, simplesmente porque o Estado não terá condições de fiscalizar e prender todas as pessoas incluídas". Para o professor, é preciso especificar exatamente o que será considerado crime.
Na redação dos artigos, é incluído, por exemplo, o acesso a dispositivos de comunicação sem autorização. Ele deu como exemplo o caso de um menino que usasse a senha de acesso do pai para utilizar o telefone celular dele e ligar para a mãe. Conforme a redação atual do projeto, isso poderia ser considerado crime, pois o texto é muito amplo e permite essa interpretação.
Eficácia contra criminosos
O professor Sérgio Amadeu ressaltou ainda que muitas medidas previstas no projeto não serão eficazes contra os criminosos, pois concorda que os artigos foram redigidos de forma ampla demais.
Já o delegado da unidade de repressão aos crimes cibernéticos da Polícia Federal, Carlos Eduardo Sobral, defende a rápida aprovação de uma proposta que estabeleça punições para crimes cibernéticos. Ele identifica dois desafios para o Legislativo: a manutenção da liberdade na internet com a simultânea punição para as condutas criminosas; e a garantia de maior velocidade de acesso da Polícia aos dados essenciais para investigação de crimes.
Sobral explicou que essas medidas são essenciais porque quanto mais rápido e quanto menos informações precisam para chegar ao criminoso, mais preservada estará a intimidade e a privacidade das pessoas. "Por isso, gostaríamos de ter a origem da comunicação, porque encontrando o possível local do criminoso com as diligências de campo, nós não precisaríamos avançar com outras medidas, como a vigilância e as interceptações telemáticas e telefônicas."
Segundo o delegado, a exigência de autorização judicial para que a Polícia peça aos provedores a manutenção de dados atrasa ainda mais o trabalho policial.
De autoria do ex-deputado Luiz Piauhylino, o PL 84/99 foi aprovado pela Câmara e enviado ao Senado, que o aprovou na forma de substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e o devolveu à Câmara. Agora o projeto está sendo analisado pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mas o PL pode ser votado pelo plenário a qualquer momento, pois tramita em regime de urgência. Como veio do Senado, o projeto não pode ser modificado. Os deputados podem apenas aceitar ou rejeitar o que foi incluído na proposta pelos senadores. As informações são da Agência Câmara.
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