Enquanto cerca de 40% do mercado consumidor global está nos Estados Unidos, outros 35% na Europa e meros 5% na América Latina, 90% do software utilizado no mundo continuam sendo criados nos EUA.
Centros de desenvolvimento se fortalecem em países como Irlanda, Israel e Filipinas, ao passo que o bloco BRIC de países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China) promete destacar futuras potências. Se não bastasse, a internet coloca consumidores e produtores em contato como se fronteiras geográficas já não mais existissem.
Para as produtoras de software e, em especial, as de software de gestão e similares transacionais, isso significa que a globalização continua. E não importa o rumo que tome, tornou a internacionalização de produtos e processos obrigatória a médio e longo prazo.
Na prática, o motivo para as empresas de software se internacionalizarem tem duas faces ? uma pró-ativa, para crescimento, e outra reativa, para defesa do market-share conquistado. A pró-ativa visa oferecer suas soluções a novos mercados, almejando o aumento de receitas e de base de clientes.
A reativa, mais sombria, refere-se à óbvia entrada das multinacionais no páreo para brigar pelas mesmas contas e ao fato, não tão óbvio, de que os clientes atuais também estão crescendo, unindo-se ou sendo engolidos pela concorrência ? em qualquer das situações, estão se globalizando e, por conseqüência, num rumo sem volta que demandará soluções internacionalizadas. Seja qual for o seu propósito, as empresas continuam tendo na internacionalização e localização uma opção para o crescimento ? enquanto internacionalizar, para muitos, torna-se condição para a sobrevivência.
A internacionalização pode ser um movimento de oportunidade ou estratégico. Infelizmente, na grande maioria das vezes é ? e continua sendo por um longo tempo ? apenas de oportunidade. Empresas aproveitam o embalo de um cliente estabelecendo uma operação em outro país e ?localizam? seu produto ou, pior, aceitam o convite de um potencial ?distribuidor? em um mercado qualquer ? muitas vezes, alguém sem estrutura, que viu seus próprios negócios minguarem e que não goza de credibilidade para articular outro negócio localmente.
Nesse contexto, apenas poucas tentativas dão certo ? as das empresas que revêem suas estratégias e se planejam para a iniciativa, já diante de um contexto organizacional e de negócios mais amplo.
Agir por oportunidade é o ?curto caminho longo?. Curto porque as ações são tomadas rapidamente. Longo porque elas tendem a ser ineficazes e os resultados demoram a chegar, quando chegam; e porque os investimentos parecem intermináveis e os prazos nunca são cumpridos. Por outro lado, uma abordagem estratégica, planejada, será como o ?longo caminho curto?. Longo porque análises detidas são feitas, estratégias são detalhadas, planos táticos são desdobrados e às vezes anos se passam.
Curto porque os investimentos diminuem, já que os gastos são minimizados por sinergia com outras medidas; porque os prazos são cumpridos, a execução é rápida, as surpresas são mínimas, os clientes ficam rapidamente satisfeitos e os resultados aparecem consistentemente.
O planejamento metódico e adequado das ações para internacionalização e localização de produtos e processos de software traz inúmeros benefícios:
? redução do time-to-market;
? redução dos custos das abordagens por ?tentativa e erro? e dos custos de adequação dos produtos;
? maior aderência dos produtos aos mercados;
? redução de riscos e da geração de passivos;
? preparação para respostas mais rápidas e adequadas ao mercado;
? otimização dos investimentos ? direcionamento e antecipação de necessidades;
? aproveitamento tributário.
Se internacionalização pode ser definida como a ?adequação de produtos e processos para a aplicação em ambientes internacionais e para a simplificação de localizações?, localização é a ?adequação de produtos e processos para um mercado (país) específico?. O processo de internacionalização de uma empresa deve envolver não somente seus produtos, mas também sua organização, processos e cultura. Suas principais necessidades são:
? a compreensão dos aspectos metodológicos, técnicos, organizacionais e mercadológicos que alicerçam a produtividade e a qualidade de níveis internacionais;
? a visão da concorrência local e internacional, respaldando a elaboração de estratégias para a evolução de seus processos, produtos e serviços;
? a elaboração de abordagens estruturadas de negócio ? estratégicas e táticas
? a capacitação dos profissionais dos níveis gerencial e operacional nas diversas áreas envolvidas.
A escolha dos mercados-alvo, que deve ser tão criteriosa quanto possível (e não menos), deve dar um peso extra às perspectivas de longo prazo. Uma entrada frustrada em um mercado (país ou região) pode significar portas fechadas por muitos anos ou um nível de investimentos para uma nova tentativa muito superior ao que seria demandado da primeira vez.
O ingresso em um novo país não difere da entrada em qualquer mercado, e exige produtos, marca canais de distribuição e serviços. Como uma forma típica de abreviar a disponibilização destes é o uso de canais de distribuição, vale observar que:
? apesar de haver a delegação de autoridade para o parceiro (distribuidor ou representante), a responsabilidade será sempre da empresa proprietária do software, já que seu nome e sua imagem estarão em jogo, mesmo que o canal de distribuição seja substituído;
? a análise e planejamento para o eventual rompimento do acordo de distribuição devem ser realizados antes de se selar o acordo, o que forçará o entendimento entre as partes dos termos e implicações de curtos e longos prazos para ambas as partes;
? no caso de parcerias, o histórico de sucessos é desencorajador. Análises detalhadas e um processo de definição e estabelecimento da operação e relacionamento solidamente estruturado são necessários ? pesquisas de mercado mostram que 75% das parcerias não dão certo. Nossa vivência tem mostrado índices ao redor de 90% quando as parcerias envolvem produtos de software de ambas as partes.
A seleção dos mercados-alvo em um processo de internacionalização conta com alguns facilitadores, como caminhos naturais para a expansão em função da importância estratégica de cada país, da atratividade dos mercados, dos aspectos levantados em análises SWOT (pontos fortes e fracos e oportunidades e ameaças) e sinergias entre os países em relação a produtos, organização, clientes e produtos complementares.
Nesse processo, a empresa permitirá naturalmente a manifestação de seu desejo de expansão, mas deverá considerar também uma demanda por expansão, oriunda de clientes que estão se instalando em outros países e potenciais clientes que só serão conquistados se tiverem soluções para os mercados em que atuam.
A internacionalização dos produtos de software, típico carro-chefe do processo de internacionalização da empresa, ainda que não necessariamente o responsável pelos maiores investimentos, demanda ações para:
? avaliação das soluções existentes (concorrência potencial);
? atendimento dos requisitos dos mercados-alvo;
? avaliação do reconhecimento da tecnologia quando necessário;
? adequação funcional dos produtos em relação às características internacionais comuns e à flexibilidade para adaptações e reconfigurações;
? disponibilidade de arquitetura técnica e funcional que facilite localizações, customizações e o tratamento de múltiplas línguas;
? documentação funcional, técnica e de processos.
Já a internacionalização de processos deverá necessariamente tratar processos estratégicos, tais como planejamento, marketing e gestão de produtos, e processos operacionais, como vendas, gestão de canais, desenvolvimento de produtos, serviços e suporte a clientes.
Similarmente, uma localização exige muito mais que a tradução dos aplicativos. Produtos, processos e documentações precisam ser adequados para tratar práticas locais de negócios, requisitos de legislação e aspectos culturais e de infra-estrutura.
Como se pode ver, internacionalizar uma empresa e localizar produtos e processos demanda muito mais que criar um ?departamento internacional?. Mas tem suas vantagens. Incluindo, para alguns casos, garantir a sobrevivência.
Ernani Ferrari, consultor-chefe da Mondo Strategies