A relação entre vida pessoal e profissional nunca esteve tão em evidência. Essa preocupação passa, essencialmente, pelo amadurecimento em torno da noção da importância da saúde mental. Nesse sentido, a série "Ruptura" (Severance), da Apple TV+, leva essa discussão ao extremo ao apresentar uma realidade distópica em que os funcionários de uma grande corporação passam por um procedimento que separa completamente suas memórias do trabalho das memórias da vida pessoal. O resultado? Uma cisão absoluta entre os dois mundos, onde a versão profissional não tem nenhuma recordação de sua vida fora da empresa e vice-versa.
Essa premissa, embora radical, toca em um ponto sensível do mercado de trabalho atual: como equilibrar produtividade, bem-estar e qualidade de vida em um mundo onde a tecnologia encurta fronteiras e impõe uma conectividade constante? A pandemia acelerou a adoção do trabalho remoto e híbrido, dissolvendo ainda mais os limites entre casa e escritório. Se antes a reclamação era a rigidez dos horários e das jornadas presenciais, agora a preocupação gira em torno da incapacidade de "desligar" do trabalho, gerando impactos na saúde mental e na motivação dos profissionais.
Segundo um relatório recente da Fundação Dom Cabral, o futuro do trabalho será marcado por uma maior integração de tecnologias emergentes e pela necessidade constante de atualização de habilidades técnicas e comportamentais. Além disso, temas como diversidade, inclusão e bem-estar estão ganhando mais espaço nas estratégias corporativas. O levantamento mostra que 63% dos trabalhadores preferem empresas que adotam políticas claras nesses aspectos.
A grande lição de "Ruptura" não está apenas no exagero da separação radical entre os mundos profissional e pessoal, mas sim no alerta sobre os efeitos colaterais de modelos de trabalho que desconsideram o fator humano. A solução para o futuro do trabalho não está na desconexão completa entre esses universos, mas na criação de um ambiente corporativo que respeite o equilíbrio entre eles e que valorize a amplitude de nossas pluralidades e nossas humanidades.
Para isso, é essencial que as empresas invistam em políticas que priorizem o bem-estar dos funcionários, promovam uma cultura organizacional saudável e incentivem o aprendizado contínuo. O trabalho do futuro deve ser flexível, mas também sustentável dentro do aspecto humano, garantindo que a tecnologia seja uma aliada e não um fator de exaustão.
"Ruptura" nos faz refletir: queremos um mundo em que somos indivíduos completos ou apenas engrenagens produtivas dentro de um sistema? A resposta – seja ela da entidade mercado ou no âmbito pessoal – determinará como moldaremos o futuro do trabalho para as próximas gerações.
Mas, nesses anos à frente de equipes de diversos perfis, posso dizer que o dilema entre separar a vida pessoal da profissional não é algo novo e nem restrito a um grupo de pessoas. É uma ilusão, inclusive, acharmos que isso é possível ou proveitoso. Somos seres completos e oscilamos nosso comportamento e nosso engajamento nos diferentes papéis que temos na vida de acordo com inúmeros fatores. Essa nossa complexidade é o que nos traz aprendizados e nos torna criativos, capazes e únicos.
Se é preciso romper com algo, é com a ideia de que podemos compartimentar papéis, sentimentos e conhecimentos. Sou filho, marido e pai. Sou executivo, líder e liderado. Sou professor e aprendiz. Sou tudo isso, todos os dias. Ora mais uma coisa, ora mais outra. Mas sempre me atualizando em busca da melhor versão de mim para ser cada vez mais eu mesmo. E você?
Washington Botelho, Presidente da JLL Work Dynamics para a América Latina.