Desde que o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), o principal alvo de críticas e questionamentos tem sido a revitalização da Telebrás, estatal que controlava o setor de telecomunicações antes da privatização de 1998. Dois meses após a publicação do decreto presidencial que deu nova vida à estatal, os opositores à ideia resolveram levar à Justiça a polêmica, questionando não apenas a legalidade da ação do governo, mas especialmente a constitucionalidade da revitalização da empresa.
O questionamento foi apresentado nesta quarta-feira, 14, pelo DEM no Supremo Tribunal Federal (STF) na forma de "Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental". Os advogados do partido alegam que ao menos três preceitos fundamentais da Constituição Federal foram desrespeitados pelo decreto presidencial nº 7.175, de 12 de maio de 2010, que ampliou o escopo de atuação da Telebrás, abrindo caminho para que a estatal torne-se o pilar da massificação de banda larga no país dentro do PNBL. Para o DEM, a ação governamental fere os princípios da "legalidade", da "separação de poderes" e da "livre concorrência". Confira a íntegra da ação no site TELETIME.
O partido pede ao STF a expedição de uma medida cautelar "inaudita altera parte", ou seja, antes mesmo que a outra parte na ação, no caso a União, seja ouvida pelo tribunal. Para os advogados, a cautelar se justifica, pois haveria "invasão de competência legislativa" no ato do governo federal e os efeitos práticos já estariam ocorrendo. O principal argumento para a suspensão imediata de parte da Lei que organiza a Telebrás (inciso VII do artigo 3º da Lei nº 5.792/72) e de itens do decreto do PNBL (artigos 4º e 5º do Decreto nº 7.175/2010) é a divulgação da ata da 340ª Reunião Ordinária do Conselho de Administração da estatal, onde foi aprovada a reforma do estatuto social da empresa para incorporar as novas atribuições dadas pelo governo federal.
Crise entre poderes
Antes mesmo de o decreto ser publicado, o DEM já sinalizava a intenção de protestar judicialmente contra a revitalização da Telebrás. Esperava-se que o partido entrasse com uma "Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)", alegando que o decreto presidencial confrontaria a Constituição Federal. A escolha de um outro instrumento de questionamento revela muito sobre o raciocínio do partido sobre a suposta ilegalidade da ação do governo federal.
A ação de inconstitucionalidade não foi utilizada porque, na prática, não foi localizada uma falha constitucional concreta no decreto. O ponto-chave é a Lei nº 5.792/72, que organiza a atuação da Telebrás. O principal argumento utilizado pelos advogados do Democratas é que a Constituição de 1988 revogou todas as disposições normativas que delegavam ao Poder Executivo iniciativas típicas do Poder Legislativo. E é com base em uma dessas delegações, que parece ainda estar em vigor na Lei da Telebrás, que o governo federal abriu caminho para a revitalização da estatal.
Revogação pendente
A base utilizada pela equipe do governo para ampliar a atuação da estatal no mercado de telecomunicações é o inciso VII do artigo 3º da Lei de 1972. Neste item, a Telebrás ganha o direito de "executar outras atividades afins, que lhe forem atribuídas pelo Ministério das Comunicações". Amparado nessa brecha legal, o governo atribui, por decreto, o poder de a Telebrás gerenciar redes públicas de telecomunicações e atuar como provedor de banda larga de outros órgãos estatais, como Dataprev e Serpro.
Para os advogados do DEM, esse inciso da Lei que regulamenta a atuação da Telebrás deveria ter sido revogado há mais de 20 anos, por ocasião da edição da Constituição Federal de 1988. "O conflito da norma pré-constitucional com o texto em vigor da Carta Política não viabiliza aferição de constitucionalidade por meio de ADI, sendo caso de revogação pura e simples, com base no princípio da hierarquia das normas", argumenta a equipe jurídica do DEM na ação.
A manutenção da possibilidade de o Executivo atribuir diretamente novas funções a uma estatal desrespeitaria também o princípio constitucional da "separação de poderes", uma vez que esse tipo de atribuição é papel do Legislativo, por meio da elaboração de leis. O decreto do governo federal, em última instância, também feriria o preceito da "legalidade", considerando que ele está amparado em um item da lei editada em 1972 que a Constituição teria anulado seu efeito.
Apesar da citação expressa de revogação desses dispositivos na Carta Magna, a democracia pós-constitucional manteve alguns resquícios dessa transferência de competências típicas do Legislativo ao Executivo. O exemplo clássico é o direito de o presidente da República editar Medidas Provisórias (MPs), que vigora até os dias de hoje. Para o DEM, a existência dessas exceções não anula a intenção primordial dos constituintes de assegurar ao Legislativo o poder de definir a atuação dos entes públicos por meio de lei. E o caso da Telebrás não seria uma exceção à regra constitucional.
O próprio PNBL teria que ser discutido no Congresso Nacional, na visão do DEM, outra atribuição fixada constitucionalmente. "Trata-se de flagrante violação aos preceitos fundamentais da legalidade e da separação de Poderes", garantem os advogados na arguição feita ao Supremo.
Legalidade e Livre Iniciativa
Além da separação de poderes que teria sido desrespeitada, o DEM ataca em outras duas frentes para tentar anular a vigência de parte da lei que organiza a Telebrás e do decreto presidencial que criou o PNBL. Para o partido, as novas atribuições dadas à estatal ferem o marco regulatório em vigor das telecomunicações, ao ignorar a nova ordem estabelecida pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT). No entendimento dos advogados, a LGT deixa claro que o serviço de telecomunicações deve ser operado por empresas privadas após a privatização, impedindo assim o retorno de uma estatal no mercado, mesmo que a Constituição ainda assegure à União prestar "diretamente" este serviço à sociedade.
"Não obstante poder a União executar diretamente serviços de telecomunicações, como dispõe o art. 21, XI, da Carta Política, seu desempenho através da Telebrás, entidade da administração indireta, não pode prescindir a Lei", argumentam na ação. "O marco regulatório atual incompatibiliza-se com tal opção, por direcionar a prestação desses serviços à exploração por empresas privadas sob regime de concessão ou permissão", complementam. Para o DEM, esse direito de atuação direta estaria reservado ao serviço prestado em regime público, a telefonia fixa, e não se estenderia a outras atividades do setor como a prestação da banda larga, classificada como Serviço de Valor Adicionado (SVA). Este último seria uma atividade de atuação exclusiva da iniciativa privada na visão do DEM.
Seguindo este raciocínio, o partido entende que a ação do governo federal de revitalizar a Telebrás para atuar na prestação de banda larga afronta a livre concorrência, uma vez que todas as novas atribuições dadas à estatal "poderiam ser perfeitamente desempenhadas pelas empresas privadas que atuam no setor de telecomunicações". A ação movida pelo DEM também acusa o governo de dar "privilégios" a estatal ao garantir à Telebrás o direito de explorar redes estatais de telecomunicações pertencentes a órgãos da Administração Direta e Indireta.
- Plano Nacional de Banda Larga