A aprovação pela Câmara dos Deputados do substitutivo ao Projeto de Lei 203/91 do Senado que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos deve mudar radicalmente o cenário atual em relação ao destino final de resíduos sólidos e, consequentemente, à preservação do meio ambiente. O texto, que foi aprovado no dia 11 de março, impõe obrigações aos empresários, governos e aos cidadãos em relação ao manejo e o descarte de lixo. A proposta, que agora segue para o Senado, cria o regime de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. O texto inclui os produtos eletrônicos.
O substitutivo prioriza a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, ou seja, todos serão responsáveis pelo destino final do produto e pelo cuidado com a preservação do meio ambiente, incluindo fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos. Deverão ser implantadas, também, medidas para receber embalagens e produtos após o uso pelo consumidor. A lista inclui agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescentes; e, inclusive, produtos eletroeletrônicos e seus componentes.
A definição de uma lei nacional para os resíduos no Brasil deve fazer com que a reciclagem avance, especialmente a de aparelhos eletroeletrônicos. Para o gerente de sustentabilidade da fabricante de PCs Itautec, João Carlos Redondo, a lei nacional dará um plano de ação para todas as empresas do país. "A maior dificuldade que as empresas do país enfrentam é a falta de uma política federal. Sem uma obrigatoriedade ou algo que incentive o consumidor a comprar os produtos que estão comprometidos com a saúde do meio ambiente nada funciona, as políticas de sustentabilidade dependem de ações individuais." A nova lei, segundo ele, é fundamental para delegar as responsabilidades de cada um no processo. Ele acredita que um processo burocrático eficiente e que estabeleça uma fiscalização séria é fundamental para que um projeto como a Política Nacional para Resíduos Sólidos funcione.
A analista ambiental de resíduos eletroeletrônicos do Ministério do Meio Ambiente, Maria Thereza Gracioso, admite que o país até agora não tem, de fato, nenhuma política de caráter legal. "Até agora o que existem são alguns projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, mas nada nunca foi aprovado, deixando os estados com a responsabilidade de regulamentação do lixo eletrônico", critica ela, que vê com bons olhos a aprovação do substitutivo.
Maria Thereza diz que algumas empresas fazem a chamada logística reversa, que envolve desde a concepção dos produtos até o recolhimento de usados que, depois, são encaminhados para reutilização ou reciclagem. Ela observa, porém, que esta é uma prática muito onerosa, que, sem uma diretriz específica, não traz grandes resultados.
Especialistas no assunto, como a analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente, avaliam que, com a crescente pressão dos próprios consumidores, a capacidade de não deixar (ou pelo menos diminuir) essas pegadas no meio ambiente se tornou a mais nova base de competição entre as grandes fabricantes de eletroeletrônicos. Agora, com a nova lei esse processo deve se intensificar.
Política nacional
O substitutivo ao Projeto de Lei 203/91 do Senado, se aprovado pela Casa, será a primeira lei brasileira que regulamenta a situação dos resíduos, inclusive aqueles provenientes do descarte de produtos eletroeletrônicos. Ele tramita no Congresso desde 1991 e só voltou à tona no ano passado, quando o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP) o reescreveu. O substitutivo cria um estatuto nacional de referência para que, tanto os fabricantes quanto os consumidores possam saber quais são suas responsabilidades.
José Valverde, assessor do deputado Jardim, explica que o projeto não pretende criar um instrumento de punição, mas um conjunto de diretrizes e políticas de incentivo para a redução do impacto ambiental das empresas. Ele ressalta que o país está num momento de desenvolvimento, inclusive industrial, e um projeto como este é importante para mostrar para as grandes companhias que a questão não é simplesmente fabricar e lançar no mercado, mas que elas têm de se preocupar com todo o ciclo de vida de seus produtos.
Ele explica que mesmo o descarte de equipamentos antigos será de responsabilidade dos fabricantes, caso a lei seja aprovada no Senado. Valverde alerta que, por mais que algumas empresas já tenham isso na sua política de mercado, a criação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos tira das mãos do consumidor a responsabilidade de se livrar de um computador velho, por exemplo.
Depois de aprovada, o assessor diz que fiscalização ficará a cargo do Ministério do Meio Ambiente, que se comprometeu a incluir a política em seu cronograma. Segundo ele, serão criadas também formas de punição, pois a política será vinculada à Lei do Meio Ambiente, que já trata de repreender os criminosos ambientais.
'Equação perfeita'
Outra vantagem da Política Nacional de Resíduos Sólidos é que ela trará uma redução nos custos. O gerente de sustentabilidade da Itautec conta que, quando as primeiras políticas do tipo foram implantadas na empresa, em 2001, o investimento inicial foi de R$ 1,6 milhão e hoje é de cerca de R$ 900 mil por ano. "Mas não só o investimento foi coberto, como a boa gestão dos processos de redução do impacto ambiental pagou 72% dos custos anuais", afirma Redondo. Ele ressalta que, ao mesmo tempo que os gastos são pontuais e planejados, a economia que eles trazem são permanentes. "Mas isso de forma nenhuma deve diminuir a importância de políticas sustentáveis. Na minha visão, isso é sustentabilidade. É mostrar que práticas ecologicamente corretas podem e, invariavelmente, trazem benefícios para os negócios", diz Redondo.
O diretor do comitê de sustentabilidade para o Mercosul da HP, Kami Saidi, lembra que as empresas têm fins lucrativos muito bem estabelecidos e de nada adianta implantar uma grande ação ambiental se isso trouxer prejuízo. Na opinião dele, fazer uma ação em que é possível reduzir o prejuízo trazido ao meio ambiente e ao mesmo tempo ainda gerar receita é a "equação perfeita". "É como o banho em que você economiza", exemplifica.
De acordo com Saidi, todos precisam se conscientizar da importância de ações sustentáveis, já que nem sempre os resultados são mensuráveis. Ele aponta que a redução do consumo de energia traz reduções de custos evidentes para as empresas, mas a logística reversa nem sempre, e é por isso que as empresas, junto ao governo, precisam trabalhar em ações educativas.
Ações extraoficiais
Criado em agosto de 2006, o Guide to Greener Electronics, elaborado pelo Greenpeace para medir o nível de comprometimento ambiental dos maiores fabricantes de hardware do mundo, causou grande polêmica no mercado de TI. Ele sempre é questionado pelas empresas que são apontadas como ruins, sob a acusação de não ter critérios claros e não usar o mesmo método de avaliação para todas as avaliadas.
Casey Hall, um dos responsáveis pelo índice do Greenpeace, no entanto, se defende afirmando que são 15 itens, divididos em cinco temas (uso de produtos químicos seguros e material reciclável, gestão de lixo eletrônico, ciclo de vida, contribuição para a redução do aquecimento global e consumo de energia), para todos os avaliados, deixando sempre bem claro o que cada companhia precisa fazer para ser bem vista pela organização.
Na escala de zero a 10 que avalia quão "verdes" são as empresas de eletrônicos, a Nokia lidera com 7,3, seguida por Sony Ericsson, Toshiba, Philips e Apple, que sobiu do 9º lugar obtido no último ranking para a quinta posição. LG, Sony, Motorola, Samsung, HP, Acer, Sharp, Dell, Fujitsu e Lenovo vêm seguida. Em penúltimo lugar, está a Microsoft e no fim da lista, a Nintendo. A Samsung, no entanto, caiu do 2º lugar para o 7º, por não cumprir a meta de eliminar BFRs (brominated flame-retardants, ou bromados) de seus produtos até janeiro. Segundo o Greenpeace, a maioria das empresas do ranking havia se comprometido a retirar tais agentes, porém a maioria retardou a medida para 2011. Microsoft Brasil se recusou a falar sobre sua nota de 2,4 com a reportagem de TI INSIDE Online, alegando, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não tem um porta-voz disponível no país para falar sobre as políticas de TI verde da empresa".
A Dell, que obteve nota 3,9, foi a empresa que mais retrocedeu no ranking de um ano para o outro. A subsidiária brasileira da empresa também se recusou a falar sobre sua avaliação. A assessoria de imprensa da fabricante de PCs alegou que, "no momento, não há ninguém para falar sobre isso na empresa".
Reciclagem completa
A Universidade de São Paulo (USP) criou no ano passado um laboratório de reciclagem de remanejamento de equipamentos velhos. Vinculado ao Centro de Computação Eletrônica (CCE), o Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (Cedir) pretende coletar todos os equipamentos eletroeletrônicos que forem depositados nos centros de coleta do programa pela comunidade da USP e por pessoas físicas e doá-los para projetos sociais ou reciclá-los.
Além da coleta, o projeto também pretende criar um laboratório de pesquisa de sustentabilidade para TI dentro da Universidade para desenvolver equipamentos ecologicamente corretos.