O mês de maio, juntamente com o de março, é marcado nas empresas como mais um período para celebrar a mulher, a maternidade, o feminino. E por mais que tenhamos trabalhado para aprofundar e avançar os níveis de consciência sobre a equidade de gênero, há ainda muitas organizações que se limitam a gestos como distribuição de flores, decoração, festa no refeitório etc. Estaria tudo bem, se isso viesse precedido de políticas e práticas efetivas, com metas objetivas de equidade de gênero e respeito à profissional que também é mãe.
Há algum tempo, a onda ESG está trazendo à tona a necessidade de geração de valor compartilhada. É por isso que, mais do que uma sigla (para Environmental, Social, Governance), é necessário que os temas relacionados sejam trabalhados como um Vetor Estratégico nas empresas. Datas como o Dia das Mães podem ser um chamado a reflexões importantes, como, por exemplo o lugar da mulher nas questões relacionadas ao ESG.
Mais do que dizer que o lugar da mulher – incluindo as que são mães – é onde ela quiser, é importante avaliar as barreiras ainda existentes para as mulheres no universo profissional. Aqui, apenas alguns exemplos:
- Metade das mulheres que retornam da licença-maternidade são demitidas, sendo que muitas (de acordo com o IBGE, 40%) são "mães-solo"
- Quando comparado à remuneração para homens nos mesmos cargos, é como se as mulheres trabalhassem de graça nos três últimos meses do ano
- Mulheres ocupam menos de 15% dos níveis da alta gestão nas empresas privadas e órgãos públicos
- Apenas 4% das startups são fundadas por mulheres, sendo que menos de 2% delas estão nas áreas STEM (science, technology, engineering and mathematics)
- Agregue-se a isso a violência contra a mulher nos espaços de trabalho, nas ruas, nas festas e dentro de casa – lamentavelmente acompanhada da culpabilização das vítimas
Apesar do preconceito, discriminação, crenças sobre superioridade entre gêneros, cultura de patriarcado e outros limitadores, identifico cinco posições em que as mulheres precisam ser reconhecidas pela capacidade de transformação e geração compartilhada de valor em ESG:
- Como chefes de família:
De acordo com o Ipea (2018), 45% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres. Os desafios da sobrevivência impostos à realidade de milhares de mulheres as impedem da inclusão produtiva formalizada e o trabalho informal acaba sendo a principal rota de fuga. A economia das mãos (cozinheiras, artesãs, costureiras, confeiteiras) se multiplica na medida em que elas encontram possibilidades de atividade econômica próximas das suas casas ou até dentro delas. A inclusão e presença digital são fundamentais para que elas consigam atender às demandas familiares bem como assistir economicamente as necessidades dos seus filhos e de outros familiares sob sua responsabilidade.
Pesquisas do setor, como a realizada pela Plataforma Nobis, confirmam que, apesar de encontrarem enormes dificuldades para a própria subsistência, elas também passam a se ocupar com atividades voluntárias relacionadas ao bem-estar do entorno mais próximo. Em síntese, as grandes transformações sociais passam pelas mãos dessas mulheres.
2) Como consumidoras:
De acordo com pesquisa da Agência Walter Thompson, as mulheres tomam mais de 85% de todas as decisões de compra – do vestuário aos aparelhos eletrônicos – indo até à aquisição de imóveis. Em resumo: elas são responsáveis pelas compras de toda a família.
Pesquisa realizada pelo Instituto Akatu, em julho de 2018, mostra que entre os consumidores mais conscientes, as mulheres representam 56%. Segundo o Banco Mundial as mulheres são as responsáveis por escolhas mais amigáveis ao meio ambiente, sendo que 53% delas já estão mais propensas a um consumo sustentável.
- Como lideranças empresariais:
Nos cargos mais altos, ainda há muita discrepância na representatividade entre homens e mulheres. Segundo o IBGE, as mulheres ocuparam 37,1% dos cargos de liderança e mesmo em empresas reconhecidas por boas práticas de inclusão e diversidade ainda é possível observar essa diferença.
Maior representatividade de mulheres na alta gestão de organizações leva a programas mais robustos de ESG e a uma performance superior do negócio. As empresas com pelo menos 30% de mulheres em seus conselhos estão superando seus pares em política climática e transparência.
É fundamental que empresas, governos, fundos de investimentos dentre outros definam diretrizes e práticas na busca da geração de valor a partir da diversidade nos seus cargos de gestão. Algumas reflexões pertinentes às lideranças empresariais seriam: Estamos dispostos a superar estes desafios de maneira estratégica? quais barreiras minha empresa impõe às mulheres, de maneira desigual? Quais são os indicadores de diversidade, inclusão e equidade que a empresa persegue? Quais avanços conquistamos?
- Como fundadoras de startups:
As startups e scale-ups brasileiras fundadas exclusivamente por mulheres são apenas 4,7%, segundo dados do Report de Female Founders. Somando o percentual de empresas cofundadas por mulheres (5,1%), temos apenas 9,8% das empresas fundadas por mulheres.
Crenças limitantes ligadas ao desempenho, ainda criam barreiras para o empreendedorismo feminino. De acordo com um estudo da Universidade de Columbia e da Harvard Business School Empresas que analisou transcrições e gravações de vídeo de competições de financiamento de startups com quase 200 empresas de 2010 a 201, organizações de venture capital questionam startups lideradas por mulheres e homens de forma diferente. As diferentes linhas de questionamento tendem a colocar as mulheres na defensiva, enquanto aos homens são dadas oportunidades para discutir sua visão sobre a empresa, o que acaba atraindo mais investimentos. No final das contas, essa atitude só traz prejuízo aos investidores, uma vez que podem estar perdendo oportunidades nas "femtechs".
- Como fundadoras e líderes de organizações de impacto no terceiro setor:
De acordo com pesquisas da Plataforma Nobis entre organizações do terceiro setor de todo o Brasil, 76% das 64 organizações são fundadas por mulheres, atuando com diferentes causas para impacto social e ambiental. Dessa maneira, as mulheres têm desempenhado um papel fundamental na busca por soluções cada vez mais regenerativas.
Em síntese: se quisermos construir um mundo em que exista o equilíbrio entre o cuidado com o planeta, o cuidado com as pessoas e a perenidade das empresas, por meio de práticas sustentáveis, precisamos entender que as grandes transformações sociais passam pelas mãos das mulheres. Contra esse fato, sabemos que não há argumentos.
Claudia Coser, doutora e mestre em Administração na área de Estratégia e Organizações e fundadora da Plataforma Nobis.