Com a regulamentação do Marco Civil em maio, permaneceram as dúvidas a respeito das exceções à neutralidade de rede. Também ficou indefinido, entretanto, o escopo desse assunto, debatido nesta terça-feira, 16, na Fiesp, em São Paulo. A visão do diretor de assuntos jurídico-regulatórios da Telefônica, José Leça, por exemplo, é que a neutralidade de rede é muito mais restritiva do que argumentam órgãos de defesa do consumidor. Para ele, o debate sobre franquia na banda larga fixa, por exemplo, "não tem nenhum fundamento legal" em relação à neutralidade. "É outra natureza, é de transparência do setor e ferramenta contratual, não dá para dizer que é neutralidade porque, quando o tráfego acaba, você bloqueia todos os sites, não tem nada a ver", argumenta.
Tampouco trataria do bloqueio do WhatsApp – segundo Leça, há quem diga que bloquear um site (após ordem judicial, vale frisar) é atitude discriminatória. Nega ainda que envolva a defesa do consumidor, ou de concorrência desleal. Argumenta que já há mecanismos para evitar abuso de posição dominante, mas que o mercado "não é como (o jogo) Banco Imobiliário, que todo o mundo começa com o mesmo dinheiro", disse. E ressalta que o termo também não pode ser igualado à qualidade de rede. "O desafio é dar o correto escopo ao artigo nono (do Marco Civil, que trata de neutralidade)".
Especialmente, na opinião do diretor da Telefônica, "não podemos colocar neutralidade a ponto de atribuir direito fundamental ao direito de universalização". Ou seja, ele explica que não se pode ter a garantia de tratamento isonômico de pacotes de forma absoluta, uma vez que determinados serviços poderiam ter prioridade em cima de outros. "Serviços mais essenciais, que todo o mundo está acostumado, como energia elétrica, é serviço pago, com base na quantidade de recursos que você usa, e ninguém fala que cortar ou não infringe neutralidade", compara. "Pode ferir outros direitos, mas não a neutralidade."
Apesar dos argumentos, José Leça alega que as operadoras, ou pelo menos a Telefônica, não são contra a neutralidade. "Não é nossa intenção bloquear ou restringir dados", garante. Ele diz que o MCI é uma vacina para não evitar problemas, mas que não há histórico de ocorrência de quebra de neutralidade no País.
Questão de tempo
O juiz de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antonio Carlos Alves Braga Junior, argumenta também que a neutralidade "não é absoluta e não é obrigação inquestionável", uma vez que a própria Lei 12.965/2014 considera exceções. Mas ressalta que o uso abusivo deve ser coibido, citando um processo de uma empresa de data center e serviços de comunicação, IP Globe, contra o provedor brasileiro UOL. A ação dizia que o portal estaria bloqueando acesso ao conteúdo originado da IP Globe por ser difusão de propaganda em massa não solicitada – spam. "Em resposta, a IP Globe disse que o UOL também manda spam para clientes, então estaria fazendo discriminação, bloqueando o conteúdo de publicidade", conta. Segundo ele, a decisão em primeiro grau reconheceu a atividade parcial de atividades: UOL é provedor de acesso e conteúdo e distribui também o conteúdo publicitário não solicitado. "Parece que terá de haver bastante trabalho para que esses conceitos venham a ser mais definidos", declara.
Na opinião pessoal do secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Cidadania, Armando Luiz Rovai, "não há menor dúvida" que o tratamento isonômico contribui para a maior capilaridade da informação. "Do ponto de vista da Senacon, com base no Código de Defesa do Consumidor, o critério é o equilíbrio – se demonstrar mais importante, criando vias mais rápidas e condições que ela se estabeleça, sem interferir na neutralidade, eu acho que deve ser adotado", afirma. Ele ressalta que o decreto que regulamentou o MCI e que dá à secretaria o papel de entidade fiscalizadora é muito recente. "Ainda parte de pressupostos que o judiciário se manifeste, que tenhamos doutrina totalmente abalizada, e isso só o tempo nos dará condições de se manifestar."