A ANPD emitiu, no dia 13 de novembro de 2023, a Nota Técnica nº 175/2023/CGF/ANPD que trata do Acordo de Cooperação entre o MJSP e a CBF para compartilhamento de dados pessoais visando ao aprimoramento do Projeto Estádio Seguro.
A mencionada Nota Técnica, embora seja um texto, por hora, apenas sugestivo e que depende ainda da análise de outras entidades, traz um pouco de luz e formalidade para a situação corriqueira que vivem os clubes, assim como outras instituições, no que tange à solicitação de compartilhamento de dados pelo Poder Público.
O acordo de cooperação entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) visa aprimorar o Projeto Estádio Seguro, com foco no combate ao racismo e à violência nos estádios brasileiros. A iniciativa inclui o compartilhamento de dados pessoais e utiliza tecnologias para identificar torcedores envolvidos em atos ilícitos, possibilitando ações mais eficazes nas praças esportivas.
Os objetivos principais deste projeto incluem a recaptura de indivíduos com mandados de prisão ou restrições penais, auxílio na recuperação de veículos roubados ou furtados, e a prevenção da venda de ingressos utilizando dados de pessoas falecidas, combatendo assim o cambismo.
No âmbito do Projeto Estádio Seguro, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) desempenha um papel crucial na orientação e supervisão do tratamento de dados pessoais, enfatizando a necessidade de cumprimento rigoroso das normas estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A competência da ANPD abrange o tratamento de dados pessoais, sejam eles sensíveis ou não, incluindo situações de compartilhamento indevido de dados fora dos âmbitos de segurança pública ou de inteligência.
A análise dos dados pessoais no âmbito da inteligência, conforme o Projeto Estádio Seguro, está alinhada ao interesse público e às atribuições legais do MJSP. O projeto busca estabelecer conexões com pontos de venda de entidades esportivas e de entretenimento para gerar conhecimento que auxilie na prevenção de crimes em eventos esportivos.
A designação de operadores pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) requer clareza, evitando nomeações sem efeito prático e assegurando uma distribuição efetiva de responsabilidades. A ANPD destaca a importância de alinhar as finalidades do tratamento de dados com o interesse público, exigindo justificativas legais claras, especialmente em ações como a recaptura de indivíduos com mandados de prisão e a prevenção de cambismo.
A observância aos princípios da adequação e da necessidade é enfatizada, com a ANPD solicitando detalhes sobre como o MJSP atenderá a esses princípios no contexto da recuperação de veículos roubados ou furtados. Além disso, a ANPD aponta a necessidade de informações adicionais sobre o tratamento de dados biométricos no Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD) a ser elaborado pelo MJSP, garantindo a conformidade e a transparência.
A transparência e o livre acesso às informações são princípios fundamentais, e a ANPD recomenda adequações no protocolo de execução para assegurar a observância destes princípios, tanto pelo MJSP quanto pelos demais integrantes do Projeto Estádio Seguro. A qualidade dos dados tratados é outra preocupação da ANPD, que solicita esclarecimentos sobre a exatidão e atualização dos dados para a finalidade de recuperação de veículos.
O MJSP é também instruído a especificar detalhes sobre a frequência do tratamento e o tempo de retenção de dados, com ênfase na exclusão dos dados após o término dos eventos e na garantia de que apenas dados de interesse sejam repassados às autoridades. A ANPD ressalta a importância dos direitos dos titulares, enfatizando a necessidade de garantir que os indivíduos estejam cientes do tratamento de seus dados.
No mesmo sentido, e como mencionado acima, a ANPD aborda a relevância do RIPD como instrumento para a regularidade do tratamento de dados. Ela requer que o MJSP forneça informações abrangentes sobre o tratamento, incluindo as finalidades, medidas de segurança e a observância dos direitos dos titulares.
Além disso, o MJSP é orientado a garantir que o compartilhamento de dados pessoais siga o devido processo legal e seja fundamentado por análises aprofundadas que considerem todos os aspectos da LGPD.
Estas diretrizes da ANPD visam assegurar que o tratamento de dados no Projeto Estádio Seguro seja conduzido de maneira legal, segura e transparente, respeitando os princípios estabelecidos pela LGPD e protegendo os direitos fundamentais dos cidadãos.
E nessa linha, diversos princípios e finalidades foram levados em conta, conforme detalhado no acordo de cooperação entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF):
Princípios do Projeto Estádio Seguro:
Princípios da LGPD: Incluem a adequação, que se refere à compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, e a necessidade, que diz respeito à limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades.
Devido Processo Legal e Proteção de Dados: Além dos princípios gerais de proteção de dados, o devido processo legal e os direitos dos titulares são considerados, especialmente em atividades de tratamento de dados cuja finalidade seja a investigação e repressão de infrações penais.
Princípios de Segurança e Prevenção: Estes princípios se referem à utilização de medidas técnicas e administrativas para proteger os dados pessoais de acesso não autorizado e de situações que possam acarretar perda, destruição, alteração, comunicação ou difusão destes.
Finalidades do Projeto Estádio Seguro:
Recapturar indivíduos com mandado de prisão ou medidas penais restritivas.
Auxiliar na recuperação de veículos roubados ou furtados.
Evitar a venda de ingressos utilizando dados de pessoas falecidas para combater o cambismo.
O tratamento de dados pessoais para fins de segurança pública, ainda que conte com excludente nos termos do inciso III do artigo 4ª da LGPD, como prevê o parágrafo único do mesmo dispositivo legal, deve observar o devido processo legal, os princípios da LGPD e os direitos dos titulares dos dados. Além disso, é fundamental que o tratamento de dados seja adequado e necessário para atender ao interesse público, limitando-se ao mínimo essencial para alcançar as finalidades específicas do projeto. A transparência e o livre acesso são também princípios fundamentais, garantindo que os titulares dos dados tenham informações claras sobre o tratamento de seus dados pessoais.
Em suma, o acordo entre o MJSP e a CBF, sob a orientação da ANPD, reforça a segurança nos eventos esportivos, ao mesmo tempo em que assegura a proteção de dados pessoais e o respeito aos direitos dos titulares, trazendo benefícios significativos para a sociedade em termos de segurança e privacidade.
Por fim, vale pontuar que as medidas sugeridas pela ANPD no âmbito do Projeto Estádio Seguro, assim como as diretrizes para a coleta e compartilhamento de dados, incluem:
Minimização de Dados: O projeto limita a coleta e o processamento de dados pessoais ao mínimo necessário para atingir as finalidades específicas do tratamento. Isso garante que apenas os dados estritamente relevantes e indispensáveis sejam tratados, reduzindo os riscos e preservando a privacidade dos titulares dos dados.
Controle e Fiscalização de Acesso: Nas arenas esportivas com capacidade superior a 20 mil pessoas, será implementado o controle e a fiscalização de acesso do público. Isso inclui o monitoramento por imagem das catracas e a identificação biométrica dos espectadores, oferecendo um caminho legal para a cooperação entre o MJSP, a CBF e as Entidades de Prática Desportiva (EPD).
Proibição de Armazenamento de Dados pelos Clubes: As agremiações afiliadas à CBF que aderirem ao acordo estão proibidas de armazenar os dados tratados provenientes do MJSP.
É imperativo adotar medidas efetivas para a completa exclusão desses dados concomitantemente ao encerramento da partida. Além disso, os sistemas das empresas contratadas pelas entidades desportivas para a comercialização de bilhetes estarão sujeitos a auditorias periódicas.
Formalização e Registro do Compartilhamento de Dados: O compartilhamento de dados pessoais deve ser precedido de análises técnica e jurídica, além da emissão de uma decisão administrativa motivada pela autoridade competente. Esta decisão deve conter a motivação e as condições observadas no caso, conforme estipulado pela LGPD e pelo Decreto nº 10.046/2019.
Transparência no Compartilhamento de Dados: Nos estacionamentos e cercanias dos estádios onde houver câmeras, deve ser informado por escrito que os dados pessoais serão compartilhados com o MJSP para fins de segurança pública. Isso inclui a recaptura de indivíduos com mandado de prisão, medidas penais restritivas, auxílio na recuperação de veículos roubados ou furtados, e a prevenção da venda de ingressos utilizando dados de pessoas falecidas para combater o cambismo.
Ao final da nota técnica, a ANPD recomenda que o MJSP apresente, em um prazo de 20 dias úteis, evidências de atendimento às determinações especificadas, abrangendo uma ampla gama de diretrizes para assegurar a proteção e o tratamento adequado dos dados pessoais.
Além disso, em um prazo de 5 dias úteis, o MJSP deve se posicionar sobre os trechos da Nota Técnica que necessitam de restrição de acesso, justificando com base nos dispositivos legais pertinentes, uma medida que ressalta a importância da segurança da informação e da privacidade dos dados e sugere o encaminhamento da Nota Técnica à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, conforme estipulado na Lei nº 9.883/1999 e na Resolução nº 2, de 2013-CN.
Esta ação sublinha o compromisso com a supervisão legislativa e a transparência nas atividades de inteligência, garantindo que o Projeto Estádio Seguro esteja alinhado não apenas com as leis de proteção de dados, mas também com as regulamentações de inteligência e segurança nacional.
Essas sugestões da ANPD demonstram o equilíbrio necessário entre a eficácia na segurança dos eventos esportivos e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente no que diz respeito à privacidade e à segurança dos dados pessoais.
Walter Calza Neto, DPO do Sport Clube Corinthians Paulista.