Caos e Complexidade: como agir em grandes adversidades a partir de um framework?

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Em um mundo cada vez mais globalizado e imprevisível, estar suscetível a erros ou a calamidades passa a fazer parte da rotina. Desastres naturais e ambientais, falhas tecnológicas ou industriais, crises humanitárias, conflitos armados, crises econômicas e pandemias apresentam desafios sociais e de gestão que, dependendo da intensidade, podem ser sem precedentes.

Em situações como essas, a habilidade de lidar com o caos e a complexidade se torna fundamental para minimizar danos e até mesmo salvar vidas. Então, como as organizações podem se preparar e responder de maneira eficiente?

A resposta pode ser encontrada em um framework estruturado que oferece ferramentas e métodos para navegar por essas turbulências, proporcionando clareza em meio ao caos e facilitando a tomada de decisões assertivas em momentos críticos: o Cynefin.

Desenvolvido por Dave Snowden, o framework divide situações em cinco domínios principais: Confuso, Claro, Complicado, Complexo e Caótico.

A visão holística fornecida pelo Cynefin nos leva a uma observação abrangente de contextos, permitindo a aplicação da abordagem mais adequada em diversas situações.

Aplicação do Cynefin em desastres no Brasil

Para entender o funcionamento desse framework, um exercício útil pode ser analisar desastres que ocorreram no Brasil, como em São Sebastião (SP) em 2023, Brumadinho (MG) em 2019 e recentemente no Rio Grande do Sul. Todos ganharam intensa atenção ao entrarem no domínio 'Caótico'.

O caos acontece no ápice de uma crise, quando a situação parece descontrolada e os acontecimentos são aleatórios/desordenados, e quando não há nada aparente que restrinja o que está acontecendo. No entanto, devido ao seu alto consumo de energia, o caos em si deve ter duração muito rápida, caso contrário pode eliminar absolutamente tudo à sua volta.

Para que isso não aconteça, qualquer ação que minimamente nos tire do caos se torna plausível, não importando se é realmente "o melhor a ser feito ou não". Situações emergenciais imediatas, por exemplo, como desastres naturais ou acidentes súbitos, se enquadram nesse domínio pois necessitam de respostas rápidas e improvisadas para salvar vidas e minimizar danos.

Como o caso de Brumadinho, com o estouro da barragem, de forma "inesperada", os momentos seguintes ao estouro foram de puro caos. A tragédia deixou 270 pessoas mortas e despejou milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na bacia do Rio Paraopeba, em Minas Gerais, em 25 de janeiro de 2019.

Em São Sebastião houve um temporal devastador que atingiu o município no Litoral Norte de São Paulo na madrugada de 19 de fevereiro de 2023. A chuva intensa provocou deslizamentos de terra, desmoronamentos de casas e deixou a cidade destruída, com milhares de desabrigados. A tragédia resultou na morte de 64 pessoas.

Por fim, o mesmo domínio se enquadra com as enchentes do Rio Grande do Sul. Sem racionalizar, as pessoas começaram a abandonar casas e carros pelas ruas, saindo correndo sem direção. Atualmente, 42 pessoas seguem desaparecidas e 581.638 estão desalojadas. A situação afetou 475 municípios e o número de mortes permanece em 172, segundo o boletim da Defesa Civil do Estado de 3 de junho de 2024.

Nas situações mencionadas anteriormente, a primeira ação a ser tomada é salvar o máximo possível de pessoas, utilizando os recursos disponíveis. É assim que o domínio 'Caótico' funciona.

Mas a partir do momento que temos condições mínimas de racionalizar a situação, mobilizar pessoas e decidir o que fazer, é um sinal que saímos do caos e (provavelmente) a situação se tornou 'complexa' (não está resolvida, mas agora temos condições de ação racional).

Na complexidade, algumas restrições já são perceptíveis (o que pode ou não ser feito), mesmo que ainda com bastante imprevisibilidade.

Por exemplo, quando as pessoas começam a se organizar de forma consciente, apesar da imprevisibilidade e do surgimento de novos eventos, ainda enfrentam uma situação difícil. No entanto, nessa condição, é possível agir de maneira proativa, ao invés de apenas reagir, como ocorre no caos.

Uma vez na complexidade, o ideal é agir com sondagens paralelas e coerentes, em vez de tentar uma abordagem de cada vez ou ficar paralisado tentando descobrir "sem ação" o melhor a ser feito. Devemos experimentar várias coisas simultaneamente. Sondagens eficazes têm características de curta duração e baixo custo, possuem critérios claros para avaliar sucesso ou falha, incluem ações para amplificar o sucesso ou conter a falha, permitem obliquidade, podem ser contraditórias entre si e algumas podem até ser ingênuas.

Nas empresas, isso se traduz em experimentos com hipóteses diferentes, seja para inovação ou resposta a desafios locais. Em crises urbanas, voluntários, bombeiros e policiais tentam várias abordagens em paralelo, observando o que funciona melhor. Ao longo dessas tentativas, haverá falhas, e é importante garantir que essas falhas causem o mínimo de dano possível.

Como poderíamos tornar sondagens e experimentações para complexidade recorrentes em cidades e organizações?

Até aqui já sabemos que o caos é danoso. Mas então como minimamente se prevenir para que situações caóticas possam ser evitadas? Uma das formas "de se preparar" para o caos é criar intencionalmente e com frequência situações que no Cynefin é chamado de "caos controlado".

Um exemplo disso é a prática Chaos Engineering, utilizada bastante no mundo de tecnologia e que se tornou bastante popular com o case do Netflix que, para conseguir um nível de estabilidade máximo em sua plataforma, possui "macacos" que injetam com frequência e intencionalmente situações caóticas para antever, aprender e se prevenir de algo que possa desestabilizá-los.

Isso gera muita resiliência a um sistema tecnológico, e poderia ser experimentado com adaptações em sistemas sociais, como cidades. E se cidades não só analisassem estudos , mas também criassem situações/simulações intencionais de caos controlado para observar como sua infraestrutura reage?

Por fim, muitas das ações em cidades parecem viver ainda em um mundo "ordenado", onde tudo se faz análise e estudos demorados, antes de ação. Talvez já tenha passado da hora de entender que, em um mundo em constante complexidade, e com muitas possíveis situações caóticas à vista, precisamos rever nossa forma de responder a estas situações de complexidade e caos. Não adianta esperar que o planeta pare. A complexidade já está aqui.

Não podemos também esperar uma mudança completa em toda a infraestrutura das cidades para se adaptar a um mundo cada vez mais complexo e caótico. Esse processo demanda tempo, energia e recursos financeiros significativos. É claro que essas adaptações são necessárias, mas enquanto estamos nesse processo, que será prolongado, precisamos estar prontos para reagir de maneira adequada a situações complexas e ao caos, que já fazem parte do nosso dia a dia.

Alexandre Magno, CEO da The Cynefin Co Brazil.

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