Pressa na votação do PL da IA pode levar à lei insuficiente e inadequada, denunciam entidades

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A Abria (Associação Brasileira de Inteligência Artificial) e mais 17 instituições divulgaram nesta terça-feira (18/06) uma Carta Aberta à Sociedade e ao Legislativo sobre o Projeto de Lei 2338/23, que regula o desenvolvimento e o uso de inteligência artificial no Brasil.

O fato de o texto ter sido discutido em tempo recorde e majoritariamente por juristas, sem a relevante participação da comunidade técnica e científica do campo de IA, comprometeu a pluralidade e multissetorialidade do debate, elementos essenciais para a construção de regulamentações adequadas ao ambiente tecnológico.

A pressa na aprovação desse PL pode resultar em uma lei insuficiente para os pleitos da sociedade e inadequada do ponto de vista da tecnologia que se pretende regular, criando um cenário regulatório complexo de se navegar e excessivamente oneroso, o qual poderá ser impossível de ser cumprido, especialmente por startups e pequenas e médias empresas (PMEs).

Abaixo a íntegra da Carta Aberta.

Carta Aberta à Sociedade e aos Legisladores

O debate sobre a regulação de IA no Brasil precisa continuar

Está prestes a ser votado no Senado o Projeto de Lei n. 2.338/2023, que pretende regulamentar o desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. Embora a redação atual do Projeto de Lei seja resultado de esforços louváveis de respeitados juristas em conjunto com os parlamentares da Comissão Temporária de Inteligência Artificial (CTIA) do Senado, não se pode afirmar que o texto está maduro o suficiente para a votação.

Diversos representantes de setores como academia, indústria e sociedade civil veem reiteradamente alertando que o atual texto do PL 2.338/2023 não contempla variados pleitos legítimos, que poderiam fazer com que a regulamentação brasileira fosse, ao mesmo tempo, factível, equilibrada e protetiva à sociedade.

O fato de o texto do PL 2.338/2023 ter sido discutido em tempo recorde e majoritariamente por juristas, sem a relevante participação da comunidade técnica e científica do campo de IA, comprometeu a pluralidade e multissetorialidade do debate, elementos essenciais para a construção de regulamentações adequadas ao ambiente tecnológico.

No campo digital, o Brasil tem um histórico exemplar de processos regulatórios amplamente discutidos, com textos construídos a partir de consensos entre os múltiplos agentes afetados. O Marco Civil da Internet é um exemplo de como a disponibilização e o uso de uma tecnologia intrinsecamente neutra, transversal e essencial para o desenvolvimento econômico, como a internet, podem ser regulamentados de forma inclusiva e equilibrada.

Infelizmente, essa experiência parece não ter sido aproveitada na discussão do PL 2.338/2023, para o qual se atribuiu um senso de urgência injustificado que culmina na iminente votação de um texto controverso, escrito a? revelia das múltiplas considerações da comunidade técnica de IA.

Embora o debate sobre a regulamentação de IA no país não seja recente, importante ressaltar que os textos das propostas de lei discutidas anteriormente são radicalmente distintos da primeira versão do PL 2.338/2023, conhecida apenas no ano passado. Além disso, a versão mais recente do Projeto de Lei, divulgada já no final do último dia 7 de junho de 2024, apresenta novidades extremamente relevantes, que alteram disposições centrais do texto e tornam ainda mais desafiadores o acompanhamento do tema e a efetiva participação dos diversos setores impactados pela regulação.

A seguir, listamos, a título exemplificativo, regras, disposições e obrigações da atual versão da proposta legislativa que carecem de reflexões críticas e aprimoramentos:

Definições legais que destoam de conceitos técnicos já aplicados no campo da tecnologia, como, por exemplo, agentes de IA;

Ausência de dispositivos e instrumentos relevantes que sirvam como mecanismos de fomento da IA no Brasil, de modo a incentivar a inovação e o surgimento de novas empresas de base tecnológica;

Obrigações e regras de responsabilização que não distinguem adequadamente desenvolvedores e aplicadores de sistemas que envolvem IA;

Obrigações abrangentes, que limitam as possibilidades de testagem dos sistemas que envolvem IA fazendo com que as imposições regulatórias sejam aplicáveis mesmo na fase em que erros e falhas são esperados;

Imposições regulatórias excessivamente prescritivas e onerosas, que limitam a autonomia dos atores de IA para definirem o nível adequado de sua governança, como a necessidade de supervisão humana, rol extensivo de avaliações preliminares e de impacto, além de diversas obrigações de publicização de informações que desafiam o avanço tecnológico, a segurança dos sistemas e o segredo de negócio; e

Regras que privilegiam direitos autorais em detrimento da necessidade de treinamento de sistemas a partir da utilização das mais variadas informações e suas fontes, fundamentais para inovação e aprimoramentos constantes, inclusive para fins de melhorias de segurança e correção de vieses.

Além disso, o recém-publicado Artificial Intelligence Index Report de 2024 revelou que, no ano passado, foram criadas apenas 15 startups nacionais focadas em IA, enquanto 897 foram criadas nos Estados Unidos e 122 na China. Na mesma linha, segundo relatório do Goldman Sachs[2], a estimativa para o Brasil, em termos de ganho de produtividade com IA nos próximos 10 anos, é inferior à média global, colocando-nos atrás de vizinhos da América Latina, como Argentina e Chile.

Nesse contexto, é essencial que sejam debatidas exaustivamente alternativas regulatórias que equilibrem inovação com a necessidade de uso e desenvolvimento ético de IA no Brasil. Para que tais alternativas possam surgir adequadamente, é necessário que o debate regulatório não se limite ao que hoje se conhece do PL 2.338/2023.

A pressa na aprovação desse PL pode resultar em uma lei insuficiente para os pleitos da sociedade e inadequada do ponto de vista da tecnologia que se pretende regular, criando um cenário regulatório complexo de se navegar e excessivamente oneroso, o qual poderá? ser impossível de ser cumprido, especialmente por startups e pequenas e médias empresas (PMEs).

As organizações signatárias desta carta defendem a continuidade e ampliação dos debates regulatórios sobre a IA no Brasil, com participação ampla e multissetorial, garantindo uma regulamentação inclusiva, equilibrada e eficaz para o futuro do desenvolvimento tecnológico no país.

Atenciosamente,

Associação Brasileira de Empresas de Software (ABES)

Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria)

Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese)

Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi)

Conselho Digital do Brasil (CD)

Endeavor

FecomércioSP

Movimento Inovação Digital (MID)

 

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