Tornou-se um lugar comum: começou com "Software-as-a-Service", depois "Infra-as-a-Service" e "Platform-as-a-Service", e então, "Data-as-a-Service", "Storage", "Analytics", "AI"… O lugar comum que usamos de maneira ampla e foi perdendo o significado original, acumulando deficiências que temos de corrigir.
O termo surgiu como consequência de outros, há uns vinte anos: "pay-as-you-go" e "on-demand", que significavam basicamente usar sem compromisso, tendo um bem ativado rapidamente e pagando pelo que usa. Foi a cloud computing que viabilizou este conceito de maneira economicamente viável para todas as partes. Foi assim que coisas caras e pouco disponíveis se tornaram facilmente acessíveis e a um preço baixo, levando pessoas e empresas de todos os tamanhos a usar tecnologias sofisticadas, antes somente disponíveis para grandes clientes e grandes projetos: é a democratização da tecnologia.
Lembro que, no auge das empresas ".com" – as empresas digitais de duas décadas atrás –, os investidores pagavam pela tecnologia: servidores, softwares etc. Hoje, como bem sabemos, sejam em startups ou em projetos dentro de empresas ditas tradicionais, o investimento em tecnologia é… "As-a-Service", gasta-se conforme o projeto cresce, portanto, sobram recursos para investir no que importa: pessoas e seus produtos de software, serviços etc.
É esta mudança que propiciou a inovação, levando ao surgimento de empresas que jamais existiriam no modelo tradicional, como Netflix, Spotify, Waze, Mercado Livre, e mais outras milhares, além de projetos de transformação digital de empresas tradicionais de setores como finanças, saúde, educação, varejo e agrobusiness.
Hoje, é impossível pensar num mundo sem o "as-a-Service". Mas nem tudo são flores. A hiperescala das big techs, viabilizada por este tipo de oferta, gera uma abundância gigantesca. Precisa de 10 mil servidores por 1 hora? Consegue imediatamente. Quer gerar um vídeo com GenAI? Pra já. Parece que vivemos num mundo de recursos infinitos, baratos, acessíveis e de altíssima qualidade.
Mas há um preço: o desperdício sempre aparece quando há esta sensação de abundância, não importa no que seja. No nosso caso, o "as-a-Service" acaba promovendo a percepção de que as coisas são muito baratas, que é melhor ter um pouco a mais do que ter uma boa governança de controle de custos. Juntem isto à ideia de que controle, centralização e padronização são palavras que muita gente repudia e temos um forte descontrole no uso das tecnologias digitais.
O desperdício não é apenas no nosso consumo, como empresas que consomem este "as-a-Service", mas também de quem cria essas tecnologias. Vejam o exemplo mais recente: AI Generativa.
Em GenAI, o motor de processamento das interações é um processador "emprestado" para essa função: é uma CPU originalmente dedicada a processamento gráfico, por isso chamada de GPU e encontrada em placas de gamers, consoles etc. Pois bem, essa GPU é relativamente cara (e consome muita energia), e não precisaríamos de algo tão complexo para isso. Mas a disponibilidade e os interesses comerciais definiram que GPU é o cerne de GenAI. Isto faz com que o treinamento de modelos de aprendizado seja caro e complexo. Por isso, o líder de mercado GenAI atualmente tem uma receita projetada para 2024 de US$ 4 bilhões, mas com um prejuízo de US$ 5 bilhões, investido pelo mercado que aguarda resultados a curto prazo.
Está na hora de amadurecer essa forma de prover tecnologia. E, mais do que isto, deixar claro, serviço é algo feito por seres humanos. "As-a-Service" é apenas "como se fosse um serviço", não significa que substitua nós, profissionais de TI. Vinte anos depois, temos de refletir sobre o modelo "as-a-Service" e buscar uma governança mais consistente. Afinal, "as-a-Service" não é serviço. É apenas um software.
Maurício Fernandes, CEO e fundador da Dedalus.